Décadas mais velho do que o próprio Estado que passou a representar,
como ícone político e patrono da paz, Shimon Peres, morreu nesta
terça-feira (27) –madrugada de quarta em Israel–, aos 93 anos. Ele foi
premiê de Israel por três vezes nos anos 70, 80 e 90 e presidente entre
2007 e 2014.
A informação da morte de Peres, que estava no hospital há duas semanas,
foi confirmada pela agência de notícias oficial do governo de Israel.
Ele deixa como rastro um longo caminho durante o qual ocupou cargos em
diferentes níveis, governos e ideologias, construindo uma imagem
complexa de si mesmo.
Baz Ratner/Reuters | ||
O ex-presidente de Israel Shimon Peres, 93, ao deixar o hospital em janeiro deste ano |
Para a memória mais imediata, principalmente na das gerações recentes,
Peres se coloca entre os pacificadores e líderes carismáticos. Ele
fundou um centro para a promoção da tolerância que leva seu nome e
inclui, em seu currículo, um Nobel da Paz recebido em 1994 pelas
negociações que levaram aos Acordos de Oslo.
Mas, como o Estado de Israel, o presidente tem uma trajetória que vai além da imagem política.
Ele é apontado não apenas como prócer da coexistência entre israelenses e
palestinos, sobre a qual discursa ao redor do mundo, mas também como
mentor da campanha militar do Sinai, em 1956, e como idealizador da
política de assentamentos que, hoje, é apontada como um dos principais
entraves à paz no Oriente Médio.
Peres nasceu em Wieniawa, no território que era então considerado
polonês. Hoje, a cidade chama-se Vishniev e está dentro das fronteiras
de Belarus. O presidente testemunhou, pouco depois, outra alteração
territorial, pois migrou com sua família aos 11 anos à Palestina do
Mandato Britânico —mas o território passou a ser o Estado de Israel em
1948, após conflitos regionais.
Nos anos entre sua imigração e a formação do país que um dia governaria,
tanto como premiê quanto como presidente, Peres cresceu em Tel Aviv e
nos "kibutzim" (comunidades agrícolas) Geva e Alumot, onde trabalhou
como fazendeiro e pastor.
Ele foi eleito, em 1943, secretário do movimento juvenil
Trabalhista-Sionista. Em 1945, casou-se com sua namorada Sonya, com quem
teve, ao longo da vida, três filhos.
Em 1947, Peres foi recrutado pelo líder carismático David Ben-Gurion
(1886-1973) —a partir de então seu mentor político— para as fileiras da
Haganah, embrião das futuras Forças de Defesa de Israel.
Aos 24 anos, nos últimos desdobramentos da guerra pela independência
israelense, foi escolhido chefe da Marinha e, em seguida, diretor da
delegação do Ministério da Defesa aos EUA. No país, estudou na Escola de
Nova York para a Pesquisa Social e na Universidade Harvard.
A carreira de Peres seguiu na senda militar. Ele foi promovido em 1953 a
diretor-geral do Ministério da Defesa. Mantido no cargo até 1959, ele
ajudou a moldar o programa nuclear israelense e a planejar a operação no
deserto do Sinai, em 1956. Durante esse período, Peres foi um dos
responsáveis por estreitar os laços entre Israel e a França no campo
militar.
A guinada para apontar sua imagem como líder político veio em 1959,
quando foi eleito ao Parlamento israelense. Peres assistiu à história de
Israel, nos anos seguintes, sentado nas cadeiras de diversas posições
no governo, atuando como ministro da Absorção de Imigrantes, de
Transporte e Comunicações, da Informação e, mais uma vez, da Defesa.
Autor da política de aproximação entre Israel e a população ao sul do
Líbano, Peres tornou-se primeiro-ministro interino por dois meses, após a
renúncia de Yitzhak Rabin (1922-1995), em 1977. O posto abriu caminho
para que fosse escolhido depois, em 1984, como premiê do governo de
unidade nacional, após duas derrotas nas urnas.
Na sequência das eleições de 1992, Peres tornou-se chanceler israelense,
período durante o qual ajudou a articular as negociações dos Acordos de
Oslo. A proposta para a paz entre israelenses e palestinos, hoje
considerada um fracasso por nunca ter atingido seus objetivos, lhe
rendeu à época o Nobel da Paz de 1994, ao lado de Rabin e do líder
palestino Yasser Arafat (1929-2004).
É a partir desse período que Peres passa a construir sua imagem em torno
da coexistência entre palestinos e israelenses, uma formulação que
ainda não convence parte de seus detratores, que lembravam-se nos
últimos dias –durante a internação do político– de sua participação em
conflitos.
Em 1994, foi assinada a paz com a Jordânia. Deu-se início, também, à
campanha pela melhora nas relações com os demais Estados árabes na
região.
Peres voltou ao cargo de premiê em 1995 após o assassinato de Rabin por
um extremista judeu, em desacordo contra os Acordos de Oslo. A onda de
violência minava, nesse período, as perspectivas da paz na região,
corroendo o texto antes assinado.
Já identificado com o tema, Peres fundou, em 1996, o Centro Peres para a
Paz, que tem hoje sua sede em um elegante prédio diante do
Mediterrâneo, na área metropolitana de Tel Aviv.
Nos anos seguintes, o político voltou a ocupar cargos no governo,
incluindo o Parlamento, a chancelaria e o posto de vice-premiê.
Em 2007, Peres foi eleito o nono presidente do Estado de Israel, para um
mandato de sete anos. Ele foi substituído no cargo, em 2014, por Reuven
Rivlin. Em longa entrevista à Folha,
em outubro de 2013, ele insistiu que, apesar da idade, não cederia ao
pessimismo daqueles que acreditam não ser possível estabelecer a paz
entre israelenses e palestinos.
Havia, para o então presidente israelense, duas questões em que devemos
fechar os olhos e nos entregar. "O amor e a paz", afirmou à reportagem.
Três anos depois, ele morreu em um Estado ainda em conflito.
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