A pedido do jornalista Marcelo Netto, um dos autores do livro “Memórias de uma guerra suja”, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro acompanhou o ex-delegado Cláudio Guerra à usina de açúcar da fazenda Cambahyba, no norte do Estado do Rio de Janeiro, onde o ex-delegado do DPOS (Departamento de Ordem Política e Social) afirma terem sido incinerados corpos de presos políticos torturados durante a ditadura militar.
O advogado ajudou a cuidar da segurança do ex-delegao durante a fase final do livro em que ele confessou participação direta nas incinerações e assassinatos de presos políticos, além de vários atentados, como os do Riocentro e contra o jornalista Alexandre Von Baumgarten, nos anos 80.
Antônio Carlos de Almeida Castro visitou com Cláudio Guerra e a Polícia Federal os cemitérios clandestinos da ditadura apontados pelo ex-delegado no livro.
Em entrevista ao Poder Online, o advogado se diz extremamente preocupado com o fato de esses locais estarem abandonados pelo governo.
Ele cobra da ministra do Direitos Humanos, Maria do Rosário, que faça um pedido formal à Polícia Federal para cuidar da segurança desses cemitérios clandestinos e inciar as investigações sobre os corpos ali enterrados, antes mesmo da instalação da Comissão da Veerdade.
Poder Online – O senhor esteve na usina em que os corpos teriam sido incinerados?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Estive sim, junto com o delegado Cláudio Guerra e a Polícia Federal, a pedido do jornalista Marcelo Netto.
Poder Online – Como foi?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Primeiro quero dizer o seguinte. O Marcelo me procurou para que o orientasse e ao delegado Cláudio sobre questões de segurança durante a fase final do livro. Como o livro mesmo retrata, num determinado momento ele recebeu recados ameaçadores. Eu disse que ele deveria, naquele momento, procurar a Polícia Federal para ter algum tipo de segurança até o livro sair. E que, depois, a sua notoriedade seria a maior segurança. Então procuramos a PF que nos acompanhou em alguns lugares e foi extremamente prestativa.
Poder Online – E na usina?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Pois é. Trata-se de um grande forno, numa antiga fazenda de açúcar em Campos, no Norte do Estado do Rio de Janeiro. É claro que, a esta altura, tantos anos passados, não haveria mais vestígios de corpos incinerados. Mas foi muito impactante. As descrições do delegado no livro batem em tudo com o que vimos lá. Encontramos um velho funcionário da usina no local. Ele confirmou que, nos tempos áureos, ali vivia cheio de coronéis, generais. Fiquei muito, muito impressionado.
Poder Online – Vocês foram a outros lugares?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Sim. A juíza da Vara de Execuções de Campos autorizou que o delegado Cláudio Vieira nos levasse a alguns lugares fora do Estado que, segundo relata no livro, teriam sido usados como cemitérios de presos políticos torturados e mortos.
Poder Online – Quais lugares?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Aqueles mesmos que ele cita no livro. O primeiro, próximo à estrada para Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. O Outro, em São Paulo, no sítio que, segundo o Cláudio, pertenceu a um integrante da equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury . Um tal de Joe. O livro aponta-o como Josmar Bueno, um juiz de boxe. O outro cemitério clandestino que visitamos foi nas proximidades de Belo Horizonte, onde, segundo o Cláudio, ele matou e enterrou o Nestor Veras (membro do Comitê Central do Partido Comunista até hoje dado como desaparecido). E, por fim, fomos ao penhasco na Floresta da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, de onde o Cláudio afirma que foram jogados alguns corpos de militantes de esquerda junto aos de criminossos comuns.
Poder Online – E o que foi feito? A Polícia Federal os acompanhou?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Sim acompanhou. Foi muito prestativa. Mas estavam ali numa fase de cuidar da segurança do Cláudio. Foram feitos alguns filmes até, fotos. Mas estou muito preocupado.
Poder Online – Preocupado? Por que?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Porque acho que esses sítios precisam ser cercados, cuidados para evitar que alguém venha a destruir provas das atrocidades ali cometidas.
Poder Online – Mas isso não é trabalho para a Comissão da Verdade?
Antônio Carlos de Almeida Castro – As informações do Cláudio no livro são um excelente roteiro para a comissão iniciar seus trabalhos. Mas ela ainda não foi instalada. Está muito atrasada, infelizmente. E, enquanto a comissão não começa seus trabalhos, cabe, sim, ao Estado proteger esses locais.
Poder Online – Com qual base legal?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Basta um pedido formal da ministra dos Direito Humanos, Maria do Rosário, à Polícia Federal.
Poder Online – E por que isso não foi feito?
Antônio Carlos de Almeida Castro – Não sei. Não consigo entender como uma coisa tão urgente ainda não foi feita. A Polícia Federal foi muito prestativa. Mas agora é hora de o Ministério dos Direitos Humanos agir. Nesses locais talvez se encontrem provas valiosas para a história do país. Revelações sobre corpos de pessoas cujos parentes até hoje não sabem o destino. É um apelo que faço à ministra Maria do Rosário e ao governo em geral. Que protejam urgentemente estes locais. Que façam buscas, enfim, que o Estado se mostre presente para evitar a destruição da história desse país. Não pode esse assunto já estar aí, na mídia, e os lugares permanecerem desprotegidos, à mercê da ação de criminosos que queiram desfazer provas do passado.
do IG
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