Segundo texto aprovado, candidatos podem ordenar retirada de mensagens "ofensivas" em 24 horas sem autorização judicial. Emenda veda anúncios em sites e blogs, mas permite "impulsionar conteúdo"
por Redação RBA
publicado
06/10/2017 11h19,
última modificação
06/10/2017 12h37
Luís Macedo/Câmara dos Deputados
Congresso promulga texto da reforma. Aberrações só podem ser barradas por veto presidencial ou recurso judicial
Brasília – A Emenda 6, introduzida no texto da reforma política aprovado pela Câmara na
madrugada de ontem (5), legaliza a censura. A constatação vem de
organizações e especialistas que atuam em defesa da liberdade de
expressão e da democratização da comunicação. Passa por integrantes do
Comitê Gestor da Internet no país (CGI.br). E encontra eco até mesmo em
entidades de representação da imprensa comercial, como Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner).
O projeto, que foi para sanção do
presidente Michel Temer, permite a remoção de conteúdos sem ordem
judicial, violando o Marco Civil. E proíbe o uso de fakes ou
apelidos nas redes sociais para quem for realizar a veiculação de
conteúdo eleitoral. “Para discutir e comentar a política, você não
poderá utilizar codinomes, nicknames etc. Um dos maiores
dramaturgos brasileiros, Nelson Rodrigues, que possuía uma coluna famosa
com o pseudônimo Suzana Flag, seria criminalizado”, diz o professor da
Universidade Federal do ABC Sérgio Amadeu.
Para o sociólogo, o texto cria
contradição ao proibir campanhas pagas na mídia, mas admitir conteúdo
“impulsionados”, beneficiando redes como Facebook. “O projeto aprovado
proíbe propaganda paga no rádio e TV, mas não na Internet. Os políticos
poderão ‘impulsionar’ conteúdos, leia pagar likes e posts no Facebook e
outros mecanismos dessas megacorporações. Mas não poderá pagar anúncios
em blogs”.
Diz o texto: “É vedada a veiculação
de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o
impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca
como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e
candidatos e seus representantes”. “Como likes são vendidos em
leilões, o Facebook ganhará muito. Quem tiver mais dinheiro comprará
mais likes e posts visualizados. Os candidatos pobres, terão seus posts
bloqueados pela rede do Zuckerberg que pretende monetizar a alma dos
eleitores. Defendo claramente a redução do poder econômico nas eleições.
Os posts pagos (impulsionados é um eufemismo) devem ser proibidos”,
enfatiza Amadeu.
A emenda estabelece ainda que
publicações feitas na internet que sejam consideradas ofensivas pelos
candidatos possam ser retiradas do ar em um prazo de 24 horas sem a
necessidade de autorização judicial para isso. Para o CGI, que divulgou
nota a respeito, a determinação cria insegurança jurídica, dificulta a
tutela de direitos e garantias fundamentais e compromete o
desenvolvimento da internet no país.
O jornalista Fernando Brito, do site Tijolaço, questiona
se a aplicação da emenda valerá para “ódio” de qualquer tipo ou ofensa a
qualquer candidato? “Nove dedos”, “Lularápio”, “Molusco”, “Anta” serão
considerados ofensa pelos provedores? E se a direita e seus exércitos de
robôs cibernéticos dispararem denúncias contra este blog e outros, de
esquerda, denunciarem algo, isso é ofensa?”
Brito critica o relator da reforma, deputado
Vicente Cândido (PT-SP), que concordou com a emenda. “O deputado Vicente
Cândido, sobrenome apropriado, diz que não vê problemas se for ‘bem
aplicada, com lisura e com decência’. O deputado habita alguma galáxia
distante ou bota a meia na janela a esperar Papai Noel. Isso é uma
estupidez e uma porta aberta para a completa ditadura da informação. E o
museu da internet, onde basta um histérico para acusar. E histéricos
não faltam”, observou.
Segundo o autor da emenda, o líder do
SD na Câmara, deputado Aureo (RJ), o objetivo da proposta foi combater
as chamadas falsas notícias na internet (fake news) e
não promover a censura e cercear a liberdade de expressão. “A
preocupação foi acabar com essa verdadeira guerrilha que está sendo
criada nas redes sociais”, argumentou.
Votaram contra a proposta, apresentada pelo
deputado Aureo, Psol, Rede e PCdoB. O coletivo Coalizão Direitos na Rede
chegou a cogitar pressionar para derrubar a proposta no Senado. Mas a
ação seria improvável.
Qualquer alteração implicaria em retorno do projeto à Câmara e inviabilizaria a aplicação das novas regras para 2018.
Resta a pressão para que a decisão seja vetada por Temer no momento da sanção, que teria de ocorrer até este sábado. O
deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), disse considerar o texto
“extremamente perigoso”. O senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) afirmou
não ter dúvidas de que a emenda será objeto de várias ações judiciais.
Abert, Aner e ANJ publicaram nota conjunta na
qual classificaram a emenda como inconstitucional. “Esperamos que o
Poder Executivo vete o dispositivo aprovado e restabeleça a plena
liberdade de imprensa”, afirma documento das três entidades.
Em nota, Aureo acusou a contestação generalizada à emenda que propôs e
mostrou arrependimento. "Minha intenção foi de impedir que os ataques
de perfis falsos de criminosos pudessem prejudicar o resultado das
eleições (...) Que fique claro: não defendo e nunca defenderei qualquer
tipo de censura”, escreveu. “Entendo que não podemos correr esse risco.
Por isso, procurei o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para que ele
peça o veto do trecho ao presidente da República. A repercussão do caso
provou que o assunto precisa ser amplamente discutido e precisamos ouvir
melhor os cidadãos para construir um texto que preserve a livre
manifestação do pensamento e, ao mesmo tempo, combata os criminosos que
circulam nos meios digitais.”
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