Imagine receber
todos os meses cerca de R$ 9 mil (2500 francos) do governo sem ter que
fazer absolutamente nada. Sem trabalho, sem esforço, sem precondições,
apenas dinheiro. Essa é a proposta que está sendo levada a um plebiscito
público neste domingo, dia 5, na Suíça.
Os eleitores do país vão
decidir se desejam mudar o sistema social implementando uma renda
mínima universal para todos os cidadãos, independentemente da riqueza de
cada um. O valor substituiria outros subsídios e seria distribuído para
todos os cidadãos e residentes no país. Para as crianças, o valor seria
de R$ 2270 (625 francos).
A idéia não é nova - há 500 anos, o autor Thomas More defendeu a renda básica no livro Utopia,
e projetos em escala regional foram testados em diversos países - mas a
possibilidade de implementação incondicional, institucionalizada e em
larga escala é inédita.
A Suíça passaria a ser a primeira
sociedade a desfrutar da prosperidade gerada pelo "dividendo digital",
afirmam apoiadores do projeto.
A
noção defendida por eles é de que a desassociação entre trabalho e
renda será inevitável no futuro, pois cada vez mais a tecnologia está
substituindo a atividade humana em países desenvolvidos. Ainda de acordo
com esse pensamento, a Suíça deveria se adiantar a essa tendência e
libertar a capacidade humana das obrigações econômicas como meio de
garantir "segurança e liberdade" aos seus cidadãos.
"Robôs
absorvem cada vez mais trabalho. É agora nosso dever reorganizar a
sociedade de modo que a Revolução digital dê a todos uma vida digna:
atividades de própria escolha e que façam sentido", afirmam os
defensores da causa em um documento explicativo enviado aos eleitores.
"Produzimos três vezes mais do que conseguimos consumir (…),
mas isso não está acessível a todos. A renda mínima é um direito nesse
contexto. Por que não tornar a riqueza acessível a todos?", questiona o
porta-voz do movimento pela renda mínima, Che Wagner, em entrevista à
BBC Brasil.
O professor em história da Economia e Pensamento Político da Universidade de St.Gallen e autor do livro Austeridade: Breve História de um Grande Erro, Florian Schui, avalia que no contexto histórico a sociedade está mudando e há abertura para novos conceitos.
"É
útil promover uma sociedade em que as pessoas tenham a estabilidade
para tentar coisas novas (…), é útil dar a liberdade para as pessoas
serem criativas. Isso vai ajudar muito a Suíça se for adotado", opina.
Riqueza
Com
uma renda per capita estimada em US$ 59 mil ao ano (R$ 211 mil) e taxa
de desemprego inferior a 4%, o país não carece de políticas públicas de
combate à pobreza. Isso, dizem defensores do projeto, permitiria ao país
"dar-se ao luxo" de experimentar uma utopia.
"A Suíça está em
uma situação única. Não temos pobreza, não temos desemprego e é
realmente por isso que possuímos aqui a oportunidade de debater o
revolucionário conceito de renda universal", avalia Wagner.
Apesar
da abundância econômica do país, o projeto não sairia barato aos cofres
públicos. A estimativa oficial é de um custo de 208 bilhões de francos
(R$ 750 bilhões), para atender 6,5 milhões de adultos e 1,5 milhão de
crianças.
Desse valor, cerca de 55 bilhões viriam de cortes em
outros projetos sociais. Outros 128 bilhões seriam financiados pelos
assalariados: todos teriam 2500 francos abatidos de seu salário mensal, e
aqueles que ganhassem menos que isso dariam todo seu salário ao governo
e receberiam o subsídio em troca.
Os 25 bilhões de francos que
faltariam para cobrir o rombo poderiam ser obtidos por meio de um
aumento no imposto de valor agregado (IVA), que atualmente é de 8% e
passaria a 16%.
André Coelho, da BIEN - Basic Income Earth
Network, ONG que defende uma renda universal incondicional, ressalta que
o retorno de valor de um investimento desse porte ocorrerá também por
meio de ganhos não monetários.
Para
ele, o projeto oferece "retorno positivo" porque traz "estabilidade aos
cidadãos, mais paz de espírito, mais tempo para a família e para os
amigos, incentivo e condições para seguir atividades próprias e
voluntariados diversos".
Eleitores
Apesar
dos argumentos, pesquisas de opinião sobre o apoio à iniciativa
realizadas em abril apontaram uma rejeição de quase 60%.
A suíça
Karin B. faz parte da minoria que votaria a favor. O motivo: já está
vivendo do sistema social, mas sente-se uma "cidadã de segunda classe".
Diagnosticada
com depressão crônica, decorrente de um trauma de infância, ela recebe
do Estado uma pensão por invalidez. Casada e com uma filha, a família
depende do apoio estatal para sobreviver.
Karin conta que, se
tivesse a renda garantida, em vez de uma pensão que a qualifica como
inválida, ela buscaria uma reinserção no mundo do trabalho.
"Só
que eu não posso tentar fazer nada hoje. Não posso tentar estudar,
achar um trabalho temporário ou tentar abrir um negócio. Se eu for
proativa, corro o risco de perder a minha pensão", explica.
Pessoas
como ela, que desejam participar da economia, mas encontram-se
dependentes do modelo social atual, seriam um dos grupos mais
beneficiados pela medida.
"Estou certa de que muitas pessoas se
mobilizariam para se tornarem produtivas e para empreender se tivessem
essa garantia do ganho mínimo. Elas simplesmente não se aventuram porque
correm o risco de perder o pouco que têm" conclui.
Erosão no consumo
O
governo da Suíça pronunciou-se abertamente contrário à proposta de
renda mínima. Em um documento explicativo enviado aos eleitores, o
Parlamento desaconselha o apoio à ideia e elenca alguns motivos.
"A
iniciativa deseja representar os anseios do povo. De fato, porém,
enfraquece-se o serviço público, danifica a estrutura pública e gera
aumento de impostos e erosão no consumo. De forma alguma ela cumpre o
que promete".
Na prática não seria possível suprir todas as
necessidades sociais dos cidadãos somente com o pagamento de dinheiro,
ou seja, uma substituição dos subsídios existentes pela renda fixa não
atenderia à realidade. Por exemplo, idosos enfermos continuariam
precisando do atendimento de agentes de saúde, cita o documento.
O
governo afirma ainda que o conceito é "um experimento muito arriscado" e
sustenta o argumento de que a parte da população com ganhos inferiores a
2500 francos não teria mais incentivos para trabalhar, ao mesmo tempo
em que o polpudo benefício serviria para atrair imigrantes indesejados.
"Por esses motivos o Conselho Nacional e o Parlamento popular aconselham a rejeitar a iniciativa", conclui o texto.
O ministro do Interior, Alain Berset, afirmou que quem votar "sim" no plebiscito estará se arriscando em uma aventura.
"O
povo precisa estar ciente: em caso de sim, precisaremos reformular
nosso sistema social (e isso trará) consequências imprevisíveis. Existem
aventureiros que talvez queiram isso", disse em entrevista ao jornal Tagesanzeiger.
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