É o que se propõe a responder o artigo abaixo, publicado no IHU:
Mounier e o desafio da civilização cristã
Mounier
interroga a história. Ele sublinha que, na origem do cristianismo,
estabeleceu-se um dualismo entre cristianismo e civilização. Tem-se,
portanto, uma dupla corrente: "Uma é o caminho da Igreja, a vida
cristã", a outra, o da civilização.
A análise
é do filósofo francês Guy Coq, presidente da Associação dos Amigos de
Emmanuel Mounier e membro de redação da revista Esprit. O artigo foi
publicado no jornal Avvenire, 15-12-2012. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Eis o texto.
A
polêmica da laicidade na França depois da guerra se centrou na questão
da escola católica. Foi precisamente sobre essa tensão que a revista
Esprit publicou em março de 1949 um dossiê considerável: "Propostas de
paz para a escola". No pós-guerra, a diatribe sobre o funcionamento da
escola católica com a participação do Estado perturbaria o debate
democrático. Seguir-se-ia disso uma aliança impossível entre a
democracia cristã (MRP) e o Partido Socialista.
A
equipe da Esprit se orientava para a autonomia de um sistema de ensino
descentralizado e unificado, gerido por uma estrutura tripartite:
Estado, trabalhadores, famílias. O projeto tinha um acento utópico, mas o
dossiê teve o efeito de fazer conhecer melhor a escola laica para os
católicos ligados à escola confessional, e a escola confessional aos
defensores da escola laica.
Pouco
depois desse dossiê, a Esprit publicou um significativo artigo
intitulado "O cristianismo e a laicidade", escrito por Joseph Vialatoux,
professor no ensino superior católico e André Latreille, professor da
universidade estatal.
Esse
texto obteve uma acolhida considerável, e não somente no mundo
católico. Talvez é o assunto mais forte, porque os católicos jogam sem
reservas a carta da laicidade e, ao mesmo tempo, uma reflexão sólida
sobre o sentido da laicidade. Alguns que não o leram o conhecem com uma
fórmula muitas vezes repetida e comentada: "A laicidade expressa
juridicamente a liberdade do ato de fé". Esta é, portanto, a sua
"projeção jurídica".
Isso
se explica, dizem os autores, pelo fato de que ela supõe que o Estado
reconheça os seus limites: as opções últimas estão além da sua
competência. É, portanto, ilegítimo por sua parte pretender "empenhar o
espírito no âmbito da sua liberdade mais profunda".
Além
disso, os autores respondem àqueles que poderiam suspeitar que a
laicidade provoca um enfraquecimento das certezas. Estas podem ser
afirmadas plenamente, mas no respeito absoluto da liberdade de crer ou
de não crer, sem o que o cuidado da verdade é ilusório. É impossível ter
acesso à verdade da fé se não se é livre.
O
velho argumento clerical da articulação entre as teses e as hipóteses
cai por terra. Ele consistia em dizer: idealmente, os cristãos
esperariam que o Estado fosse cristão, essa é a tese. Mas a hipótese
defende: os desafios da história fazem com que a sociedade se
caracterize por uma pluralidade de religiões, portanto deve-se tolerar o
Estado laico, esperando poder reencontrar o Estado cristão. Essa é a
"tolerância mal suportada".
Os
autores criticam uma espécie de desprezo pela liberdade, uma negação da
liberdade religiosa. Mas se levarmos a liberdade ao coração do
raciocínio, a própria ideia de um Estado religioso se torna inaceitável.
A
laicidade é desejável em si mesma, até do ponto de vista do crente:
"Não se trata mais, portanto, de dizer que uma autêntica laicidade é
aceitável pela Igreja, assumindo uma atitude puramente negativa, como se
se recuasse diante de um ataque e se confessasse a retirada tirando o
melhor proveito disso. É típico de quem está em exílio da interioridade.
É supor que o católico não quer plenamente essa laicidade e que a
tolera, sempre à espera do dia em que poderá suprimi-la em nome da sua
religião. É preciso dizer que uma autêntica laicidade deve ser desejada e
querida pelo cristianismo, seja pelas vantagens que a vida da
civilização humana dela obtém, seja pelas vantagens que a vida de fé
dela obtém".
Em
um texto muito importante, em que se enfatiza o acordo com esse título e
com a orientação anunciada, Henri-Irénée Marrou afirma: "Estamos
prestes a interromper na história da Igreja aquele parêntese aberto com a
conversão de Constantino, ou, talvez, mais precisamente, no que se
refere ao Ocidente, com as invasões bárbaras: a cristandade". Foi
possível encontrar essa ideia nas dobras do Vaticano II.
Muitos
textos retomados por Mounier desenvolvem, sem saber, a perspectiva em
que o Concílio se situaria, no momento certo. O interesse e a
modernidade da abordagem que caracteriza Mounier é o fato de que ele se
coloca, como Marrou, do lado da civilização.
A
questão fundamental, então, se torna: o objetivo do cristianismo
consiste em construir uma civilização cristã? Marrou esclarece o sentido
da pergunta, ou seja, "uma civilização em que tudo, instituições,
técnicas, costumes, objetivos se submetam à verdade cristã, como um meio
para o seu fim, ou melhor, como fins subordinados a um fim de ordem
superior?".
Para
responder à pergunta, Mounier interroga a história. Ele sublinha que,
na origem do cristianismo, estabeleceu-se um dualismo entre cristianismo
e civilização. Tem-se, portanto, uma dupla corrente: "Uma é o caminho
da Igreja, a vida cristã", a outra, o da civilização.
Nos
primeiros séculos, os cristãos se integraram na civilização romana...
salvo em um ponto, a idolatria (paganismo). Mas "tudo ocorreu como se a
moral cristã não pressionasse o direito e as instituições". Quanto à
influência considerável dos monges, desde os primeiros tempos da Idade
Média, sabemos que eles fundaram cidades, desenvolveram a agricultura,
criaram uma civilização agrícola. A Igreja "se insere nas estruturas
temporais (século VII), a ponto de ceder a elas antes da reforma
gregoriana", mas se chegaria a teorizar tal confusão entre Igreja e
governo do mundo apenas muito mais tarde. No entanto, o projeto
teocrático não se realizou: sempre houve dois poderes, duas sociedades. A
utopia teocrática permanece substancialmente uma tentação.
Dessa
síntese histórica do qual deu apenas um leve evocação, Mounier tira uma
conclusão iluminadora: "O que mais inquieta é a ausência de intenção de
realizar uma civilização de marca cristã, desejada e busca como
civilização original, a ponto de olhar para um reino estranho a este
mundo, embora comece a partir deste mundo e utilize os meios deste
mundo".
É
preciso concluir com uma radical indiferença do cristianismo pelo
destino da civilização e pelo o futuro da cidade dos homens?
Absolutamente não. O desprezo pelo sensível e pelo tempo não é cristão:
"Não devemos trazer o espiritual para o temporal. Ele já está lá. O
nosso papel é o de descobri-lo e de fazê-lo viver, de comunicá-lo de
forma adequada. O que é temporal, na sua inteireza, é o sacramento do
Reino de Deus".
De
fato, a influência do cristianismo sobre a civilização foi
considerável, mas não se desenvolveu segundo um modelo de domínio que
tende a impor a ideia de cristandade. Mounier acrescenta: "Como religião
da universal imitação de Cristo encarnado, o cristianismo pede ao ser
humano uma presença ativa em tudo o que é temporal".
A
questão a que Mounier consagra uma boa parte da sua reflexão: como o
cristianismo influenciou para otimizar o processo de civilização? O
adendo é claro: como devem ser pensadas hoje as relações entre
cristianismo e civilização? Seria preciso percorrer os detalhes da
análise. Mounier fala de uma influência da fé cristã, que se exerce de
modo lateral, indireto, ondulante. E ele insiste no fato de que é a fé
que atua, e não o poder político da Igreja. De fato, a rejeição do culto
a César acaba desestabilizando o império e, com o tempo, o "dai a
César" abalará a confusão entre política e religião.
É
quando o cristianismo se aprofunda e se enraíza verdadeiramente no
Evangelho que dá o melhor de si à civilização. A influência do
cristianismo se exerce às vezes de modo negativo por "dissociação". De
fato, ele não contém nenhuma rejeição total de Roma, mas combate a
idolatria e tende a dissociá-la do poder. "De agora em diante, onde quer
que se reconstrua o Estado-Moloch, o cristianismo, incansavelmente,
injetará o seu poder dissociador".
Nenhum comentário:
Postar um comentário