Após atravessar o Mar Vermelho com
os pés secos, depois de séculos de escravidão no Egito, o povo Hebreu
tinha motivos de sobre pra comemorar. Mirian, irmã mais velha de Moisés,
tomou um tamborim, e liderou o cortejo de mulheres, que cantavam e
dançavam em celebração.
Embora todos tivessem razão de
celebrar, Mirian tinha razões extras. Creio que enquanto dançava, sua
mente foi remetida a um episódio do qual foi coadjuvante, ocorrido
oitenta anos antes.
Não fosse aquele acontecimento, talvez não houvesse razão pra que Israel comemorasse sua libertação.
Mirian ainda era uma menina quando
sua mãe deu à luz um menino. Àquela época, Faraó, o rei do Egito,
decretou que todos os meninos hebreus recém-nascidos deveriam morrer. O
receio de Faraó era que a multiplicação dos hebreus colocasse em risco a
soberania do Egito.
“Vendo que o menino era formoso, escondeu-o por três meses” (Êx.2:2). Nada
como o instinto materno! Porém, por ser muito chorão, o menino acabava
chamando a atenção dos transeuntes. O que fazer? Se as autoridades
soubessem de sua existência, o matariam. E se alguém os denunciasse?
Talvez toda a família fosse executada, por não obedecer a um decreto
real.
“Não
podendo, porém, escondê-lo por mais tempo, tomou um cesto de juncos, e o
revestiu de betume e piche. Então pôs nele o menino, e o largou entre
os juncos à beira do rio” (Êx.2:3).
Por mais insana que parecesse a
idéia, era a única que ocorreu à mãe do menino. Lançá-lo ao rio lhe
parecia melhor do que vê-lo sendo partido ao meio. Porém antes de
entregá-lo às águas, sua mãe lhe preparou um cesto. Provavelmente o
acolchoou, proveu um pequeno lençol para que o protegesse. Mas além
disso, o mais importante: ela impermeabilizou o cesto. Forrou-o de betume por dentro e por fora, para que as águas não se infiltrassem e matassem o menino afogado.
O menino tinha que ser mantido seco.
Embora ela não soubesse, mas seria ele o líder que conduziria o seu
povo pelo Mar Vermelho com os pés à seco.
O que estava em jogo era muito mais
do que a vida de um infante. Era o futuro de um povo, e quiçá, o futuro e
a salvação de toda a humanidade.
Enquanto Mirian tocava seu tamborim,
ela se lembrou de quando teve que acompanhar o cesto açoitado pelas
correntezas do Nilo, ou de um de seus afluentes.
Não sabemos se por ordem de sua mãe,
ou por iniciativa própria. O fato é que ela não desgrudou os olhos do
cesto que continha seu irmão ainda sem nome.
Agora eram duas vidas em risco. As
margens do Rio poderiam reservar surpresas desagradáveis, como por
exemplo, os famosos crocodilos do Nilo.
De repente, o cesto estaciona preso
aos juncos. Justamente nessa hora, a filha de Faraó desceu para se lavar
no rio. Enquanto se banhava, avistou o cesto, e pediu que um de suas
criadas o trouxessem a ela. “Abrindo-o, viu o menino. Ele chorava, e ela teve compaixão dele, e disse: Este é menino dos hebreus” (v.6).
Provavelmente, ela reconheceu que era um hebreuzinho, por causa da
circuncisão a que eram submetidos no oitavo dia de nascido.
E agora? O que fazer? Entregar aos
soldados para executá-lo? O texto diz que ela se encheu de compaixão. O
próprio Deus despertou nela este que é um dos mais belos sentimentos a
aflorar no coração humano.
Em vez de entregá-lo, ela resolveu criá-lo. Porém, surge um novo dilema: como amamentá-lo, se não tenho leite?
A menina Mirian, que acompanhara todo o trajeto do cesto, aproximou-se e sugeriu: “Queres que eu vá chamar uma ama dentre as hebréias, que crie este menino para ti?” (v.7).
A provisão divina promoveu o reencontro entre o menino e sua mãe,
permitindo que ela não só o amamentasse como também o criasse. E ainda
por cima, recebeu salário para isso!
“Sendo o
menino já grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou. Ela
lhe pôs o nome de Moisés, e disse: Das águas o tirei” (v.10). Este é
o único caso na Bíblia ( pelo menos, que eu saiba...) onde alguém só
recebeu um nome depois de grande. Talvez sua mãe tenha evitado dar-lhe
um nome, para que não tivesse um vínculo afetivo mais forte com o
menino. Era uma maneira de se precaver, já que sabia que teria que
devolvê-lo à filha de Faraó.
Moisés, o menino tirado das águas, seria o homem através de quem Deus livraria Seu povo pelas águas.
Veja quantas razões havia no coração de Mirian para festejar a passagem pelo Mar.
E se o cesto não houvesse sido
devidamente impermeabilizado? Se as águas se infiltrassem no cesto,
afogando o menino que seria o libertador de Israel?
Vale aqui uma reflexão: será que
temos permitido que haja alguma infiltração indesejada em nossa família?
Temos cuidado devidamente de nossos filhos? Já nos ocorreu que eles
representam o futuro?
Assim como a mãe de Moisés, tentamos
mantê-los escondidos do mundo, até que, de repente, eles crescem. Se
fosse possível, nós os colocaríamos numa redoma (falo por mim!).
Gostaríamos de poupá-los de tudo de mal que o mundo oferece, de todas as
dores e decepções. Mas chega o momento em que temos que lançá-los ao
rio. Temos que entregá-los às águas do rio da vida. Deixar que sejam
levados por suas correntes.
Isso é inevitável! Resta saber se temos depositado nossos filhos num cesto betumado, com suas frestas devidamente tapadas.
Esse “cesto” pode representar a educação que temos dado, os valores e princípios que temos passado.
E mais: mesmo depois de entregá-los à vida, há que se acompanhá-los, ainda que à distância, como fez Mirian.
Com quem nossos filhos têm andado? Quem tem sido suas influências? Que sites têm visitado na internet?
De quantas dores seríamos poupados
se tão-somente nos precavêssemos, preparando o cesto, acompanhando-o em
sua travessia pelo rio?
Às vezes, os pais não querem ser
chatos, pois sabem que os filhos necessitam de um pouco de privacidade.
Mas lembre-se: Não foi a mãe de Moisés que acompanhou o cesto. Foi sua
irmã. E aqui há um princípio bíblico muito importante: os irmãos devem
cuidar uns dos outros. Não podemos incorrer no mesmo erro de Caim,
quando perguntado por Deus acerca de Abel, respondeu: Sou eu guardador
do meu irmão?
Entre irmãos, deve haver confiança, cumplicidade sadia, acompanhamento, cuidado mútuo.
Lá na frente, quando presenciarmos
um grande feito realizado por Deus através de nosso filho ou irmão,
teremos motivos para celebrar.
Infelizmente, muitos pais e irmãos só encontram motivos para se envergonhar e lamentar a sorte de seus filhos e irmãos.
Não adianta acusar A ou B. Temos que
proceder com responsabilidade agora, preparando o cesto, acompanhando
de perto a sua trajetória, e nos oferecendo como “amas de peito”, isto
é, alguém com quem nossos entes queridos sempre poderão contar, seja
entre os juncos no rio, ou nos pátios dos palácios.
Por Hermes C. Fernandes

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