A poucos dias da segunda visita de Valcke ao país em 2012, ministro e dirigente batem boca e geram incertezas quanto à organização da Copa
As duras críticas do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, na última sexta-feira, ao governo brasileiro expuseram uma crise que vinha sendo controlada nos bastidores da organização do mundial. O bate-boca público entre o dirigente e o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, gerou incertezas em relação aos próximos passos na organização da Copa do Mundo de 2014 e, até mesmo, quanto à permanência de Valcke à frente dos preparativos para a competição.
A realização do Mundial no Brasil parece não correr riscos. O próprio Valcke disse que "não existe um Plano B".

Aldo Rebelo e Jérôme Valcke no último encontro em janeiro (Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo)
Na sexta, Valcke disse que "as coisas não estão funcionando no Brasil" e criticou, principalmente, os setores de transportes e hoteleiros, além da demora na aprovação da Lei Geral da Copa. No sábado, Aldo Rebelo reagiu. Em coletiva em São Paulo, o ministro garantiu que o governo brasileiro não negocia mais com o dirigente, nem mesmo se ele se desculpar formalmente. De Bagshot, na Inglaterra, onde participou do encontro da International Board, o secretário-geral da Fifa classificou como "infantil" a resposta de Aldo Rebelo e confirmou sua vinda ao Brasil no dia 12 de março.
A troca de farpas expôs ainda mais o mal-estar entre governo e Fifa. Até o momento, o presidente da entidade, Joseph Blatter, acompanha de longe. Era esperado no Brasil em janeiro, mas não apareceu. Sua visita prevista para março para um encontro com a presidente Dilma Rousseff e para o lançamento do logo do Mundial se tornou incerta. Depende, segundo a entidade, da aprovação da Lei Geral da Copa.
A demora na aprovação da Lei Geral irritou a Fifa. Os vários adiamentos para a votação no Congresso Nacional foram o estopim para a crise. Há dez dias, após o carnaval, Valcke, em nota no site da Fifa, já demonstrava impaciência. Disse que a festa tinha acabado e cobrou agilidade do Congresso Nacional.

A Fifa tem como argumento um documento assinado em 2007 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva - assim que o Brasil assegurou o direito de segurar a Copa. Neste documento - batizado de "Garantias Governamentais", o governo se comprometia a atender as exigências da Fifa em 11 tópicos. Entre eles, o compromisso de que não impediria o comércio dentro dos estádios de comidas e bebidas, incluindo as alcoólicas. Em janeiro, o próprio ministro Aldo Rebelo confirmou que o assunto estava encaminhado.
- O tema da bebida não foi tratado na reunião, porque é um assunto já resolvido no Congresso. O governo enviou a Lei Geral tendo como base os 11 compromissos assumidos pelo governo Lula. Esse assunto ja está encaminhado pelo governo federal. Quando enviamos a Lei, o governo não enviou nenhuma proibição - afirmou Aldo na coletiva desta quinta.
Os próximos dias prometem ser decisivos nesse aspecto, mas os dois adiamentos da última semana geraram o ataque de Valcke, uma vez que a Fifa esperava que a lei fosse aprovada em fevereiro. Na terça-feira, em Brasília, a Lei Geral deve finalmente ser votada na Câmara dos Deputados. Na última semana, os parlamentares votaram o chamado texto-base do relatório, ou seja, a maior parte do texto proposto pelo parlamentar em substituição à proposta original do Executivo. Os pontos mais polêmicos, no entanto, como venda de bebidas alcoólicas, acabaram sendo adiados para terça, o que, aparentemente, tirou a Fifa do sério.
Em janeiro, durante a primeira das visitas bimestrais às cidades-sede que a Fifa pretende fazer em 2012, Jérôme Valcke já havia cobrado agilidade na aprovação da lei. Entre outras coisas, disse que a entidade já havia "cedido demais" e que "estava na hora de o bebê nascer". Na ocasião, em um encontro em Brasília, o ministro Aldo Rebelo adotou um discurso conciliador e fez coro a Valcke, dando a entender que o governo faria de tudo para aprovar a lei até o final de fevereiro - o que não aconteceu. Mas o tom de cooperação com a entidade permaneceu até a última sexta-feira, quando Valcke chegou a dizer que o Brasil merecia um "kick up in the backside", expressão que pode ser traduzida aproximadamente como um "chute no traseiro".
O imbróglio entre e governo e Fifa fez com que o presidente da CBF e do Comitê Organizador Local (COL), Ricardo Teixeira, tentasse colocar panos quentes. O dirigente que, desde que reassumiu o cargo em fevereiro, após licença médica, não havia falado publicamente, divulgou uma nota oficial no site da entidade. No comunicado, disse entender as "legítimas" e "naturais" preocupações da Fifa. Mas reiterou a confiança no sucesso do Mundial no Brasil.
- As preocupações da FIFA em relação aos preparativos de todas as Copas do Mundo são naturais e legítimas. Mas a entidade pode ficar tranquila porque o Brasil e seu povo têm competência e seriedade para organizar uma Copa do Mundo impecável, inesquecível... A Copa do Mundo de 2014 acontecerá, sim, no Brasil. O país e seus três poderes devem ser respeitados sempre.

Com ou sem a aprovação da Lei Geral da Copa na próxima terça-feira, a visita de Jérôme Valcke ao país está confirmada para o dia 12 de março. Na agenda, o secretário-geral da Fifa desembarca em São Paulo e segue na companhia dos campeões mundiais Ronaldo e Bebeto - membros do COL - para Recife, onde vistoriará a Arena Pernambuco - candidata a receber jogos da Copa das Confederações. No dia seguinte, a comitiva segue para Brasília para visita ao Estádio Nacional Mané Garrincha e permanece até o dia 14, quando está prevista uma reunião entre Fifa, Comitê Organizador Local e governo brasileiro. Resta saber se Aldo Rebelo mudará de ideia e receberá Valcke. Neste sábado, o ministro foi taxativo quando perguntado sobre:
- Não.
A visita da Fifa termina no dia 15, com a viagem para Cuiabá e a vistoria na Arena Pantanal.
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