Universal
do Reino de Deus emitia boletos para serem pagos por familiares, que
por sua vez eram cobrados por leões de chácara bombados. Homossexuais
eram obrigados a virarem machos na marra, caso contrário, tinham aval
para serem estuprados
Dezesseis
presos da Ala Evangélica do Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC)
foram denunciados, pelo Ministério Público, por tortura, tráfico de
influência e extorsão. Outros 3 servidores de todos os níveis da unidade
foram identificados na prática do crime de corrupção e serão
investigados. Promotor de Justiça responsável pelo caso, Célio Wilson de
Oliveira explica que representantes de duas das 3 denominações
religiosas que realizam trabalhos junto aos presos estão envolvidos com o
esquema.
Os acusados
cobravam para que outros presos permanecessem na ala, além de obrigá-
los a frequentar cultos. Ficavam com 40% dos alimentos e produtos de
higiene levados por familiares e vendiam regalias por meio do pagamento
de propina. Uma das “facilidades” oferecida com a conivência e suposta
participação dos servidores eram indicações para o trabalho externo.
O esquema, que
arrecadava mensalmente cerca de R$ 15 mil, consistia na cobrança de
cotas diversas, para motivos estabelecidos pelos líderes das alas. Entre
eles a aquisição de televisores, geladeira, a manutenção do prédio e
outras reformas. Aqueles que se negavam a pagar eram alvo de
retaliações, como a perda do direito a dormir em um dos colchões da
unidade, além de sofrerem agressões físicas e ameaças, inclusive de
morte.
Em outra
frente, 40% de tudo o que os familiares dos presos levavam nas visitas
eram recolhidos pelos líderes e vendido aos reeducandos. Dos valores
arrecadados, uma parte era destinada aos líderes do esquema. Uma das
igrejas, a Universal do Reino de Deus, emitia boletos que deveriam ser
pagos por familiares utilizando, inclusive, dinheiro do
auxílio-reclusão, benefício concedido pelo Instituto Nacional da
Seguridade Social (INSS) para presos condenados que estavam trabalhando
com carteira assinada. Faturas foram apreendidas durante operação
realizada na unidade em 13 de abril deste ano.
As igrejas
escolhiam como líderes das alas pessoas de porte físico avantajado, que
se impunham sobre os outros presos, tudo para garantir o pagamento de
dízimo diariamente além de cotas quinzenais. Apenas uma das ações
descobertas pelo MP arrecadou mais de R$ 1 mil.
O tipo de
reeducando escolhido para liderar a denominação facilitava todo o
trabalho de arrecadação. “Se sozinho ele já se impunha perante os
outros, formando um grupo coeso e com o apoio ou a conivência da direção
da unidade eles se tornaram intocáveis dentro do CRC. Isso impedia
qualquer reação dos outros presos”.
Para Oliveira, o
domínio de reeducandos nas atividades do CRC, a exemplo do que ocorre
em outros presídios, é motivado pela falta de discernimento dos gestores
sobre o que deve ficar a cargo dos presos, aliado ao fato de que o
Poder Público é omisso quando se trata do sistema prisional. “A
concessão de regalias, a conivência com determinadas condutas e a
necessidade de pactuar com lideranças nem sempre positivas é uma
constante para que seja possível manter um mínimo de tranquilidade.”
O trabalho do
Ministério Público foi possibilitado por uma denúncia formal de um
familiar de um reeducando, ameaçado pela organização. Após o início das
investigações, pais, mães e esposas de presos relataram os problemas.
Mãe de um reeducando, que prefere não ser identificada, uma dona de casa
conta como tudo começou. “Cheguei um dia para visitar meu filho e toda a
alimentação que levei para ele, além de roupas, ficou retido com um
‘líder’. Perguntei para o meu filho e ele explicou que tinha que levar
dinheiro para resgatar os produtos. Era o dízimo”.
A mulher conta
que quando não conseguia juntar o dinheiro, recebia um boleto para o
pagamento durante a semana. O comprovante deveria ser levado na visita
seguinte. “Quando não chegava com o dinheiro, meu filho ficava
apavorado, porque sabia que ia ser humilhado, maltratado e até agredido
ou morto”.
Além do
pagamento, a mulher relata que os familiares eram também obrigados a
participar dos cultos promovidos nos dias de visitas.
Servidores
A participação
dos funcionários, explica o promotor Célio Wilson, ajuda a tornar claro
por qual motivo a rede de extorsão atingiu praticamente toda a unidade
prisional. Sem a conivência de servidores, era impossível aos
evangélicos conseguir atingir a ala conhecida como “contêiner”, uma das
melhores, na opinião dos presos.
Além de
supostamente corromper os funcionários da unidade - o caso será
investigado pela 14ª Promotoria de Justiça Criminal - os líderes do
esquema utilizavam da proximidade com a direção da unidade para realizar
as indicações. “Eles negociavam as vagas e se valiam da proximidade com
a direção da unidade para fazer as indicações, que muitas vezes eram
acatadas”.
Quem também era
obrigado a seguir as determinações da organização criminosa eram os
homossexuais. Matéria de 4 de março denunciava o “leilão” de travestis
que eram usados como “moeda” em trocas envolvendo os presos. Na
reportagem, o presidente da Organização Não Governamental (ONG)
LivreMente, Clóvis Arantes, explicava que os presos da ala evangélica
comandavam os leilões dentro do CRC.
Destaca que a
violência contra os travestis começa na entrada da unidade prisional,
quando são obrigados a raspar a cabeça e abandonar o nome social,
adotado, além de utilizar roupas masculinas. “É uma violência simbólica
exigida pelos detentos que irão conviver com os travestis e ocorre,
principalmente, onde existem as organizações evangélicas”. Aqueles que
não aceitam a imposição de reprimir a homossexualidade e decidem manter
sua orientação sexual, passam a ser considerados aptos a serem
estuprados por outros presos.
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