(Foto: Wilson Dias/ABr)
Psiquiatras, psicólogos e outros agentes de saúde
vão definir, até o final da tarde de (29/01), como serão feitos os
atendimentos às famílias e vítimas do incêndio na Boate Kiss, em Santa
Maria, no Rio Grande do Sul, que deixou 234 mortos e centenas de
feridos. A proposta é que os profissionais, que voluntariamente deixaram
os consultórios para acompanhar as pessoas afetadas diretamente ou
indiretamente pela tragédia desde o último domingo (27), definam uma
estratégia de acompanhamento psicossocial por um período prolongado, até
que os traumas possam ser minimizados.
“Queremos nos preparar para um momento
que poucos estão pensando agora. Temos uma situação grave que vai gerar
estresse pós-traumático em muitas pessoas que pode se manifestar dias,
semanas e até meses depois do trauma”, explicou Antonio Geraldo da
Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Segundo
o especialista, estes transtornos podem se manifestar com quadros de
depressão, ansiedade e até de bipolaridade, no caso de pessoa que têm
alguma tendência a desenvolver o distúrbio.
No primeiro momento, minutos depois da tragédia, o trabalho de
psiquiatras e psicólogos voluntários estava concentrado no apoio às
famílias que estavam no local do incêndio, em busca de informações, nos
hospitais e no ginásio da cidade, durante o reconhecimento dos corpos e
acompanhamento dos velórios e enterros das vítimas.
“Nesta intervenção inicial tem um trabalho importante de orientação
também. As pessoas, por exemplo, têm a tendência de medicar remédios
tarja preta para que os familiares se desliguem um pouco e durmam e há
contraindicação deste procedimento que, na verdade, acaba fixando mais a
memória do trauma”, explicou Antonio Geraldo, acrescentando que a
preocupação agora é montar um esquema de trabalho com um cronograma que
pode durar meses e até anos.
Segundo o psiquiatra, problemas que podem surgir são aumento de consumo
de álcool e drogas e dificuldades nas relações pessoais e de trabalho,
ameaçam não apenas as vítimas e familiares, mas podem afetar grande
parte da comunidade de Santa Maria e de cidades próximas - origem de
muitos dos jovens vitimados.
“Temos que estar preparados para fazer estas avaliações com todas as
nuances possíveis de serem apresentadas”, explicou, acrescentando que a
nova estratégia também prevê o atendimento aos profissionais que
cuidaram ou ainda acompanham as vítimas. “Estamos falando do médico, do
enfermeiro, do policial, do taxista e de pessoas comuns que se
voluntariaram para trabalhar naquela circunstância. Ninguém está
pensando em oferecer cuidado para estas pessoas”, disse.
A coordenadora do Núcleo de Psiquiatria da Associação Médica de Santa
Maria, Carla Ibargoyen, contou que psiquiatras e psicólogos que atuam no
estado decidiram formar uma força-tarefa voluntária que começa a atuar a
partir de hoje. Até o final do dia, profissionais da rede de saúde da
região e da Universidade Federal de Santa Maria vão definir como serão
conduzidos os trabalhos.
“Vamos discutir como serão feitos os atendimentos, como e quem serão
atendidos e como podemos aproveitar a estrutura da universidade para
conduzir os trabalhos. Será um acompanhamento de, no mínimo 90 dias, que
tem grande possibilidade de ser estendido”, explicou ela. Segundo a
psiquiatra, cada caso será avaliado individualmente. “O tempo de
acompanhamento vai depender de muitos fatores individuais: como as
pessoas respondem aos traumas e ao tratamento, se têm pessoas com
problemas psicológicos e psiquiátricos estabelecidos, que seriam os
grupos de risco para quadros de pós-trauma”, disse a psiquiatra.
Loiva dos Santos Leite, presidente do Conselho Regional de Psicologia do
Rio Grande do Sul, explicou que os trabalhos estão sendo conduzidos
conjuntamente. No caso da rede pública de saúde de Santa Maria, os
psicólogos montaram um serviço de atendimento 24 horas no Centro de
Apoio Psicossocial da cidade (Caps).
“As pessoas que tiveram qualquer envolvimento estão procurando este
atendimento. Temos já uma procura significativa. Nas primeiras horas,
fizemos atendimentos no ginásio, onde chegaram os corpos e as famílias.
Montamos uma enfermaria no local e os profissionais começaram a
acompanhar as famílias ali no reconhecimento dos corpos até os velórios e
enterro”, contou Loiva Leite. Segundo ela, as micro equipes formadas
para acompanhar os feridos continuam os trabalhos nos hospitais da
região.
A psicóloga ainda explicou que as equipes estão procurando os
profissionais de cidades natal de algumas vítimas para encaminhar
atendimentos iniciados em Santa Maria. Loiva destacou que a área de
emergência de desastres exige um tratamento específico. “Estamos
contando com um suporte e capacitação de profissionais da associação
brasileira especializados nestes atendimentos e o suporte da organização
Médicos sem Fronteiras e de um grupo de estresse pós-traumático da PUC
do Rio Grande do Sul”, relatou.
“Não vamos curar a dor mas queremos trabalhar o sentimento de perda para
que as pessoas consigam retomar a vida da forma menos dolorosa
possível”, concluiu a psicóloga.
da Agência Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário