Embora seja
apenas o primeiro julgamento, sujeito a recursos e eventuais absolvições
no futuro, não deixa de ser surpreendente e histórico que um júri
popular tenha condenado os policiais pelo massacre do Carandiru 20 anos
depois. A notícia é da Folha de S. Paulo:
PMs são condenados por massacre do Carandiru; penas chegam a 156 anos
Janaina Garcia e Gabriela Fujita
Após
uma espera de mais de 20 anos e dois adiamentos só este ano, o Tribunal
do Júri condenou na madrugada deste domingo (21) 23 dos 26 policiais
militares acusados pela morte de 13 detentos que estavam no segundo
pavimento do pavilhão 9, na extinta Casa de Detenção, no episódio que
ficou conhecido como massacre do Carandiru. No total, em todo o
pavilhão, a ação da polícia no dia 2 de outubro de 1992 deixou 111
presos mortos. O julgamento começou na segunda-feira (15), no Fórum
Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. As penas aos
condenados são de 156 anos de prisão em regime fechado. Eles podem
recorrer em liberdade.
A
sentença começou a ser lida em plenário pelo juiz José Augusto Nardy
Marzagão à 1h10, quase 16 horas após o início da sessão de sábado (20),
voltada aos debates entre acusação e defesa.
Inicialmente,
os réus eram julgados pela morte de 15 presos. No entanto, a Promotoria
pediu a retirada de dois homicídios do processo porque os presos tinham
ferimentos por arma branca, não por tiros. A pena para cada um dos PMs
foi estabelecida com base no mínimo previsto no Código Penal para
homicídios, que é de 12 anos --número multiplicado pelo total de mortes.
Em
entrevista aos jornalistas logo após a leitura da sentença, a advogada
Ieda Ribeiro de Souza, que defende os policiais, disse que avalia "com
muita frustração" a decisão dos jurados. "Foi uma decisão por maioria de
votos, na verdade por diferença de um voto, e isso não reflete a
vontade da sociedade brasileira. Não é essa a vontade da sociedade
brasileira." Ela disse que já recorreu da decisão.
O
promotor Fernando Pereira da Silva, indagado se o resultado desse
primeiro júri pode repercutir para o dos demais, declarou: "É uma
resposta que a sociedade dá, assim como o Tribunal do Júri deu em
relação ao coronel Ubiratan [condenado em júri popular em 2001], no
sentido de reconhecer que o que aconteceu no dia 2 de outubro de 1992 no
pavilhão 9 foi um massacre".
A
primeira tentativa de julgar os policiais começou no último dia 8, mas
teve de ser adiada porque uma jurada passou mal e foi dispensada. Pelas
regras judiciárias, uma vez sorteados os sete jurados que formam o
Conselho de Sentença, a saída de algum deles implica em se formar um
novo conselho. Remarcado para o dia 15 seguinte, o julgamento chegou a
ser suspenso durante um dia e meio, na quarta e quinta-feira, porque
novamente um jurado passou mal. Avaliado pela equipe médica do Tribunal
de Justiça, o rapaz foi liberado no mesmo dia e o júri foi retomado.
Ao
todo, 79 policiais militares foram denunciados. Eram 84, mas cinco
deles já morreram. O juiz definiu que o episódio seria julgado por
etapas, até o final deste ano, para seguir a ordem da denúncia --que
citou número de policiais que, por pavimento, foi responsável pelas
mortes. Marzagão não concedeu entrevista depois do julgamento.
A
primeira data designada para o júri havia sido 28 de janeiro deste ano,
mas foi adiada pela Justiça a pedido de Ministério Público e da defesa
dos réus para que nova perícia de confronto balístico pudesse ser feita.
Em março, o Instituto de Criminalística respondeu que novo laudo era
inviável por razões técnicas.
Na
fase de debates, porém, o Ministério Público afirmou que o laudo foi
prejudicado porque 160 projéteis retirados dos corpos das vítimas
desapareceram do Dipo, órgão do TJ que fica no segundo andar do Fórum
Criminal da Barra Funda e para onde são remetidos os inquéritos
policiais. O caso foi comunicado ao Tribunal este ano e segue sob
investigação.
Júri teve sobreviventes e ex-governador Fleury entre testemunhas
O
primeiro dia do julgamento teve o depoimento de ex-detentos testemunhas
da ação da polícia. Um deles relatou que não atendeu ao pedido dos PMs
feito no pátio da cadeia, logo após a invasão, de levantar o braço para
dizer que ainda estava vivo.
"Parece
que um anjo me disse: não faça isso", disse o pedreiro Marco Antonio de
Moura, 44. "Os presos que estavam feridos e ergueram as mãos nós nunca
mais os vimos", disse.
No
segundo dia do julgamento, foi a vez do depoimento mais aguardado. O
ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho, no cargo à época
da ação, disse que a invasão foi "legítima e necessária".
O
ex-governador, que depôs como testemunha de defesa dos policiais,
afirmou tinha responsabilidade política sobre a ação. "A
responsabilidade política era minha; a criminal, caberá aos jurados
esclarecer."]
No
terceiro dia, o julgamento foi suspenso por conta de um mal-estar de um
jurado --que posteriormente foi avaliado por uma equipe de médicos do
TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
No
quarto dia, o julgamento teve a leitura de peças que constavam no
processo. Na sessão do Tribunal do Júri, o Ministério Público lançou mão
de reportagens em vídeo sobre o massacre e sobre excessos da Polícia
Militar diante de vítimas sem chances de defesa.
O
interrogatório de quatro réus ocorreu no quinto dia de julgamento.
Todos disseram que somente revidaram o ataque dos presos, que teriam
armas de fogo.
O
último dia do julgamento foi dedicado aos debates entre defesa e
acusação. A advogada dos réus, Ieda Ribeiro de Souza, os classificou
como "heróis" e disse sentir orgulho deles "por serem efetivamente o que
a sociedade espera que sejam". Ela ainda analisou que PMs, de um modo
geral, são "seres invisíveis por quem a gente passa na rua e nem olha na
cara --ainda que ele vá salvar meu filho, pai ou irmão".
O
Ministério Público, responsável pela acusação, usou como exemplo a
condenação do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu como chefe do esquema
do mensalão, em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), ano
passado, para pedir aos jurados do Carandiru que condenem os 26
policiais militares pela morte de 15 presos mesmo sem a individualização
das condutas. O argumento foi utilizado na fase de réplica dos debates
entre acusação e Promotoria, que antecedem a reunião em que os jurados
dirão se os réus são culpados ou inocentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário