“Novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” | João 13:34 e 35
Quando Rosa
Parks se negou a ceder seu lugar no ônibus a uma mulher branca, nos
Estados Unidos dos anos 1950, havia um pastor ao seu lado para protestar
contra segregação racial. Ele liderou esse movimento por anos.
Enfrentou ameaças e ataques. Seu nome era Martin Luther King. E sua
participação foi decisiva na luta contra a discriminação não só nos
transportes, mas em toda a sociedade norte-americana. Foi assassinado
brutalmente. Mas virou herói em seu país, e, hoje, não é possível falar
de Direitos Humanos ou minorias sem citar sua enorme contribuição.
Esse movimento
de mais de 60 anos atrás me lembra de que, quando a fé encontra a ação
política profética, não precisa necessariamente se transformar em
acusações, falso moralismo ou hipocrisia. Antes, pode ser traduzida em
ação contra a injustiça, a favor da inclusão e pela paz. Infelizmente,
porém, parece que o modelo capaz de combinar atuação pública relevante e
cristianismo genuíno está sendo ignorado por alguns daqueles que
resolveram se dizer porta-vozes da Igreja brasileira.
Tenho
acompanhado com perplexidade – e, tenho de dizer, com constrangimento – o
noticiário dos últimos dias. A conclusão é óbvia: a plataforma dos
Direitos Humanos virou palanque predileto de um certo povo lá de
Brasília… Usar tema dessa importância só pra se promover já não seria
coisa boa. Porém, se ao menos estivessem batendo bumbo contra a
corrupção, a violência e a injustiça vá lá… Mas não. O que estão fazendo
é acentuar preconceitos e rancores, estimular a exclusão e o racismo, e
defender a intolerância. E o pior: tudo isso em nome de Deus (e no meu e
no seu nome também!).
É evidente que,
num país democrático, ninguém pode impedir quem quer que seja de
expressar suas opiniões, valores e crenças. E o princípio vale também
para nós, evangélicos, que temos de ter liberdade para dizer o que
pensamos. Não se combate intolerância com intolerância, nem
fundamentalismo com mais fundamentalismo. Sem dúvida, repudio qualquer
tentativa de cerceamento desse direito. Porém, não podemos nos esquecer
de que Jesus veio a esse mundo com a missão de salvá-lo e não de
acusá-lo.
Quem me
conhece, sabe da minha militância de quase 20 anos pelos Direitos
Humanos. Sabe de minha luta e da luta do grupo que represento para
garantia de direitos aos pobres, aos injustiçados, aos mais fracos, aos
escravizados… E, na semana que passou, fui ao microfone do plenário e me
posicionei contra essa redução da agenda bíblica de transformação
social a questões de sexualidade. No entanto, não protestei como
ativista do tema: discursei como cristão.
Fui ao
microfone e critiquei esse modelo de política e púlpito que explora
questões étnicas ou de sexualidade em troca de lucro eleitoral (ou seja,
voto). Mas, sobretudo, usei meu pronunciamento para pedir perdão. Sim,
dirigi-me aos não-crentes, àqueles que não professam a mesma fé que eu e
você, e pedi que nos perdoassem se, de alguma forma, o barulho que está
sendo feito os estiver impedindo de entender a verdadeira mensagem de
Jesus.
Há mais de dois
mil versículos na Bíblia falando sobre o cuidado com os pobres e
aproximadamente seis tratando sobre homossexualidade, por exemplo. No
entanto, não se vê nenhum projeto para atender a quem sofre. Pergunto:
Quantas vezes Jesus falou sobre homossexualidade? Respondo: Nenhuma… No
topo da lista dos confrontados pelo Mestre estavam os homossexuais? Ou
eram os hipócritas religiosos de Sua época? Por que, então, super
explorar alguns temas de forte apelo eleitoral e desvalorizar outros,
claramente enfatizados pela Bíblia e por Jesus? A quem interessa reduzir
a essência amorosa e transformadora da mensagem de Jesus à agenda
moralista? Será que esses que fecham os olhinhos diante das câmeras da
imprensa, parecendo muito espirituais, não os mantêm bem abertos, fixos
nos votos que podem tirar de todo esse teatro?
“Errais não
conhecendo as Escrituras”, diz a Palavra. E o problema fica ainda mais
agudo quando esse discurso sem amor ou sabedoria contamina algumas
igrejas. Aí, é mesmo como na velha música: fé cega, faca amolada.
Crentes sinceros têm aderido a essa ideologia esdrúxula, sem saber que
estão assumindo uma agenda que nada tem a ver com os reais desejos do
coração do Pai.
Atenção, caro
leitor. Não estou propondo que essa ou aquela prática seja, agora,
legitimada. Há questões que são específicas da Igreja. E outras que são
de Estado. Não apoio aqueles que tratam a nós, evangélicos, como
ignorantes. Minha fé e minha consciência cristã não estão alinhadas a
esses que querem impor no grito sua condição como regra. Defendo que
respeitem a nós, evangélicos, com o mesmo respeito que têm exigido.
Porém, o que
acontece é, no meio de todo esse barulho, a ideia de cristianismo
transmitida está errada. O testemunho público está ruim. Pesquisa
recente, realizada pelo Barna Group, nos Estados Unidos, questionou
jovens não-cristãos sobre sua percepção sobre os cristãos. O resultado?
Para eles, a principal característica dos crentes é a de ser
anti-homossexual. Triste conclusão a de que cristãos estejam se tornando
mais conhecidos pelo que são contra do que pelo que são a favor. Vale a
reflexão. Essa com certeza não era a impressão que as pessoas tinham ao
encontrar Jesus ou os irmãos da primeira Igreja.
Perde-se tempo
com posições discussão de modos e costumes, quando uma agenda cristã
contemporânea, biblicamente fundamentada, conduzida com honestidade e
humildade, poderia diminuir a violência, lutar por melhores condições de
saúde, erradicar a pobreza e a escravidão moderna, cuidar da Criação,
fortalecer as famílias, promover o respeito à sacralidade da vida humana
e sua dignidade intrínseca – bem ao contrário dos absurdos que temos
visto.
A esses
pastores ou políticos que se autodenominam defensores dos evangélicos,
lembro que a Igreja já tem em Cristo o seu maior e suficiente defensor.
As vozes cristãs que mais foram ouvidas e mais transformaram a história
da Humanidade não foram essas que se apressam em julgar e condenar.
Foram aquelas que pregaram e viveram a essência da mensagem de Jesus: o
amor, a paz, a justiça, o perdão, a tolerância, a não violência, a
defesa dos mais frágeis, a vida com integridade. Foram vozes que se
levantaram contra o racismo e a hipocrisia religiosa. Salve Mandela,
salve Desmond Tutu, salve Martin Luther King, Bonhoeffer, Wilberforce,
Jaime Wright, Robinson Cavalcanti! Com esses, estou alinhado, hoje e
sempre.
CARLOS BEZERRA JR., é pastor, médico e deputado estadual. É líder do PSDB na Assembleia Legislativa-SP e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos do Estado de São Paulo. Autor da lei que criou o Programa Mãe Paulistana e da nova lei paulista contra o trabalho escravo. Acredita que a missão do cristão na política seja a definida pelo texto de Salmo 82, nos versículos três e quatro: “Vocês estão aqui para defender os indefesos, para assegurar que os prejudicados tenham uma chance de justiça. O trabalho de vocês é proteger os fracos, perseguir os que os exploram”
Carlos conta com a minha admiração de cristão evangélico e o meu voto de cidadão, pois ele sabe o que é ser cristão na política.
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