O GLOBO André de Souza e Evandro Éboli
BRASÍLIA —
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão federal responsável pelo
controle social do setor, está sob suspeita de aparelhamento político por parte
do governo. Um ex-integrante do conselho e o atual representante da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no colegiado afirmaram
que o governo tem controle sobre o CNS e que afeta sua autonomia ao não acatar
suas decisões
Presidente do CNS em duas gestões, o
farmacêutico Francisco Batista Júnior, representante dos trabalhadores da
Saúde, disse nesta quinta-feira que, desde que o ministro Alexandre
Padilha assumiu o cargo, o Conselho passou a ficar nas mãos do
governo.
Foto: Francisco Batista Junior,
ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde Agência Brasil
— O
Conselho Nacional de Saúde perdeu significativamente sua autonomia, seu papel. É
uma clara subserviência ao governo — disse Batista. — O Padilha não respeita as
suas resoluções. Por exemplo: o CNS, em duas ou três oportunidades, reiterou
posição contrária à (criação da) Empresa Brasileira de Serviço Hospitalar
(Ebserh, estatal responsável pelos hospitais universitários), Padilha
desconsiderou.
Quando
o CNS mostra independência e toma decisões que contrariam o governo, elas são
ignoradas. Foi o que aconteceu, com a criação da Ebserh. O CNS se posicionou de
forma contrária.
—
Foi só uma posição política do Conselho. Tanto que a Ebserh está em amplo
funcionamento — criticou o conselheiro Clovis Adalberto Boufleur,
indicado pela CNBB.
Boufleur entende que, em alguns casos, há
alinhamento de parte dos conselheiros com o governo. Mas o principal problema,
na opinião dele, é outro. As próprias entidades com representação no CNS não dão
muito valor ao Conselho, e fazem pouco para garantir que suas decisões sejam
respeitadas. Segundo Boufleur, as decisões são frequentemente ignoradas pelo
Ministério da Saúde, independentemente do titular da pasta. A exceção foi
Agenor Álvares, que foi ministro por cerca de um ano, entre 2006 e 2007 —
este, segundo Boufleur, costumava respeitar as decisões do
CNS.
—
Pela lei, (o CNS) é deliberativo. Mas, em várias situações, teve suas decisões
relegadas ao esquecimento. Elas foram proteladas até cair no esquecimento. Em
nenhum momento, (o Conselho) teve atuação mais drástica para que se cumprisse a
lei. O Conselho decide e o Executivo segue conforme sua
conveniência.
Outro
crítico é o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam),
Geraldo Ferreira. Ele não é conselheiro, mas a Fenam era suplente do
Conselho Federal de Medicina no CNS. Na semana passada, diante do racha
entre entidades médicas e governo — provocado pelo programa Mais Médicos e pelos
vetos presidenciais à lei do ato médico, que regulamenta o exercício da medicina
—, a
Fenam e o CFM se desligaram do conselho, e Ferreira saiu atirando, acusando
o CNS de ser aparelhado e de estar a serviço do governo. Segundo ele, a maioria
das entidades com assento no CNS é controlada por partidos ou movimentos
simpáticos ao governo.
— Há
uma força muito grande de forças governistas — disse Ferreira, que criticou a
atual presidente do CNS, Maria do Socorro de Souza:
— As
últimas palavras da presidente do Conselho fornecem algumas pistas de que está
defendendo os interesses do governo. Como assim? Porque, quando o governo lançou
o pacote (do Mais Médicos), e eu suponho que ela (Maria do Socorro) não tivesse
conhecimento, ela não se preocupou em levar ao Conselho para discutir, ela não
se preocupou em ouvir o que os médicos pensavam. Ela imediatamente caiu no colo
do governo para aplaudir.
Maria do Socorro nega que haja alinhamento com o governo,
mas reconhece as limitações de poder do CNS.
— O
Conselho tem toda a autonomia de ter posição contrária. O ministro homologa ou
não essa resolução. O que pode acontecer é o Conselho Nacional de Saúde, para
fazer valer (sua posição), recorrer a uma ação ao Ministério Público — disse
Maria do Socorro.
Segundo
ela, a demanda por mais médicos é da sociedade e sempre foi defendida pelo
Conselho. A ideia do serviço civil obrigatório para os profissionais da Saúde,
em que eles teriam que trabalhar por algum tempo no SUS, é discutida há cinco
anos pelos CNS.
— Eu
não vou defender interesses contrários à população — afirmou a presidente do
Conselho, concluindo: — No controle social, o foco é defender o direito dos
usuários do SUS.
A
existência do debate em torno do serviço social obrigatório foi confirmada por
Clovis Boufleur. Maria do Socorro representa a Contag, uma confederação
aliada ao governo do PT desde o governo Lula, e ganhou a eleição com o apoio do
ministro Alexandre Padilha. Ela derrotou Clovis Boufleur em uma eleição
acirrada.
Um órgão com 48
titulares
O CNS é
um órgão com pouco poder, cujas decisões o governo pode ignorar e passar por
cima como bem entender. É uma das maiores mesas de discussão da Esplanada, com
48 titulares e dois suplentes para cada um, e é assim dividido: 50% de vagas
para os movimentos sociais de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), 25% de
trabalhadores, 25% de prestadores de serviços e gestores.
Há de
tudo um pouco no órgão: centrais sindicais (Força Sindical, CUT, CGTB), governo,
União Nacional dos Estudantes (UNE), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Confederação
Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag), entidade indígena, entidades negras, de lésbicas, além das
que representam os profissionais de Saúde, como os conselhos federais de
Odontologia (CFO) e Psicologia (CFP). Há ainda associações de nutrição, de
vítimas de hepatites virais, de autismo, associações renais e transplantados, de
ostomizados, organização dos cegos, celíacos, entre outras.
Um caso
de aparelhamento apontado por alguns integrantes do Conselho se dá na Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao CNS. Ela foi criada para ser
uma instância colegiada, de natureza consultiva, tendo por atribuição o exame
dos aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos. Como mais
importante comissão do CNS, sempre esteve sob a coordenação dos representantes
da comunidade científica. Mas, recentemente, foi parar no colo de um
sindicalista: Jorge Almeida Venâncio, da Central Geral dos Trabalhadores do
Brasil (CGBT), um absoluto estranho no ninho.
O GLOBO
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