Sempre que ocorre um crime
hediondo com requintes de crueldade, ouve-se vozes em defesa da aplicação da
pena capital. Eu mesmo, ao assistir à reportagem sobre o assassinato a sangue
frio de uma criança de apenas cinco anos que suplicava pela vida mãe, deixei
escapar dos lábios: Este bandido não merece viver.
Todavia, não é sensato
posicionar-se sobre um tema tão complexo na hora da emoção. Como cristãos,
devemos buscar abalizar nossas opiniões no espírito do Evangelho.
Engana-se quem pensa que não há
pena de morte no Brasil. Ela é prevista exclusivamente para crimes militares
cometidos em tempo de guerra. O Brasil é o único país de língua portuguesa que
prevê a pena capital em sua constituição. O código pena militar trata dos
crimes que são puníveis com a morte (ao todo são 36 crimes), e determina que
seja executada por fuzilamento, havendo a possibilidade de que o presidente da
República conceda graça ou comute a pena por outra. Somente a partir da
constituição de 1988, a pena de morte foi totalmente abolida para todos os
crimes não-militares.
Portugal foi praticamente o
primeiro país do mundo a abolir a pena de morte. E hoje, a maioria dos países civilizados já a aboliu.
Nos Estados Unidos, onde os
estados possuem certa autonomia em sua legislação, alguns ainda mantêm a pena,
mesmo depois de terem sido comprovadas falhas no sistema de justiça que levaram
à execução pessoas inocentes.
Há vários métodos usados em sua
aplicação ao longo da história, alguns dos quais são vigentes até hoje.
• Injeção Letal - Aplica-se por via intravenosa, e de forma contínua, barbitúricos de ação rápida em quantidade letal, combinados com produtos químicos paralisante-musculares.
• Fuzilamento - São disparados vários tiros simultaneamente sobre indivíduos condenados à morte.
• Enforcamento – Pressiona-se com uma corda o pescoço, interrompendo o fluxo de oxigênio para o cérebro.
• Câmara de Gás - Método muito usado pelo regime nazista.
• Eletrocussão – Prende-se o indivíduo a uma cadeira onde recebe uma forte descarga elétrica.
• Crucificação – Método predileto dos romanos. Era uma espécie de ritual em que, primeiro o individuo era flagelado, e depois crucificado.
• Fogueira – Muito usado durante o período da Santa Inquisição.
• Decapitação – Por espada ou guilhotina
• Envenenamento – O indivíduo é obrigado a ingerir poção venenosa
• Lançando às feras – Muitos cristãos foram vítimas deste método cruel no Império Romano.
O que todos estes métodos têm em
comum além de provocar a morte? São irreversíveis. Se for comprovada a
inocência de um preso, basta soltá-lo. Mas este houver sido executado, não haverá
como corrigir a injustiça. Talvez esta seja a argumentação mais razoável sustentada
por quem é contra a aplicação da pena de morte.
O que dizem as Escrituras sobre o
tema? Há amparo bíblico para a aplicação desta pena? Uma leitura honesta nos levará a
algumas conclusões que para alguns podem parecer desconcertantes.
A primeira delas é que foi o
próprio Deus quem a instituiu. Confira:
“E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” Gênesis 2:16-17
A partir da desobediência do
primeiro casal, todos já nascemos espiritualmente mortos e destinados a
experimentar igualmente a morte física. Portanto, a pena do pecado (a morte) se aplica à toda humanidade.
A segunda constatação é que a Lei
dada por Deus a Moisés no monte Sinai sanciona a pena de morte, que deveria ser
aplicada em casos de assassinato premeditado (Êx 21:12-14); sequestro (Êx
21:16; Dt 24:7); adultério (Lv 20:10-21; Dt 22:22); incesto (Lv 20:11-12, 14);
bestialidade (Êx 22:19; Lv 20:15-16); desobediência aos pais (Dt 17:12;
21:18-21); ferir ou amaldiçoar os pais (Êx 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt 15:4;
Mc 7:10); falsas profecias (Dt 13:1-10); blasfêmia (Lv 24:11-14; 16:23);
profanação do sábado (Êx 35:2; Nm 15:32-36); e sacrifícios aos falsos deuses
(Êx 22:20).
Os profetas não a invalidaram.
Veja, por exemplo, o que diz o Senhor pelos lábios de Ezequiel:
“Eis que todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa morrerá.” Ezequiel 18:4
Alguém
poderia argumentar que todas estas passagens se encontram no Antigo Testamento,
mas que agora, sob a égide da Nova Aliança, a pena de morte perdeu a sua
legitimidade. Porém, não é isso que constatamos ao ler os evangelhos e as
epístolas. Repare, por exemplo, no que diz Paulo, apóstolo da graça:
“Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em ira contra aquele que pratica o mal.” Romanos 13:3-4
Paulo reconhece que Deus outorgou
ao Estado o dever de aplicar duras penas para coibir o avanço do crime e da
injustiça. Toda autoridade é ministro de Deus, trazendo consigo a espada para
punir os malfeitores. Em momento algum Paulo questiona o direito que Deus
confere às autoridades na aplicação da pena capital. Num episódio narrado em
Atos, vendo-se sob o risco de ser condenado a tal pena, o apóstolo diz:
“Se, pois, sou malfeitor e tenho cometido alguma coisa digna de morte, não recuso morrer; mas se nada há daquilo de que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles; apelo para César.” Atos 25:11
Diante do que expus a cima, não
vejo alternativa senão admitir que a pena de morte seja bíblica, autorizada por
Deus tendo como objetivo a manutenção da ordem social. Todavia, recuso-me a
posicionar-me favorável a ela. Será que posicionando-me assim, eu estaria me
opondo aos princípios da Palavra de Deus? Permita-me explicar minhas
razões, antes de condenar-me à fogueira destinada aos hereges.
Assim como Deus autoriza o estado
a usar a espada, Cristo ordenou que Seus discípulos o acompanhassem na reta
final de Sua jornada na terra munidos de espadas. Porém, quando um deles,
afoito, desembainhou sua espada para tentar defender seu mestre daqueles que
pretendiam leva-lo preso, Jesus o repreendeu e disse: “Embainha a
tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão”
(Mt.26:52). Talvez
Pedro tenha ficado confuso, pensando: - Como assim? Ele mesmo nos manda trazer
espadas e agora me censura por usá-la para defendê-lo?
Ora, violência gera violência. A melhor maneira de se combater o crime, a desordem, a injustiça e suas mazelas não é com o uso da força. Não estou, com isso, dizendo que o estado não tenha tal prerrogativa. Todavia, a igreja deve oferecer uma alternativa ao uso ostensivo da violência. E isso, a meu ver, inclui a aplicação da pena capital.
Outro
caso que nos ajudará a tomar posição acerca do assunto é o da mulher pega em
flagrante adultério e prestes a ser sumariamente executada. Aqueles homens
munidos de pedras não estavam agindo arbitrariamente. Pelo contrário, estavam
devidamente amparados pela Lei. Aquilo era o certo a fazer. O pecado tinha que
ser punido publicamente para que outros, ao assistirem àquele espetáculo de
horror, pensassem duas vezes antes de incorrerem no mesmo erro.
Jesus
Se vê numa saia justa. A quem, afinal, ele deveria defender, a vítima ou seus
algozes? Jesus não poderia desautorizá-los, questionando e relativizando a ele.
Mas também não poderia assistir àquela execução passivamente. Em vez de
posicionar-se contra ou a favor da pena capital, Ele lança um desafio: “Aquele
que não tem pecado, atire a primeira pedra” (João 8:7). Todos foram saindo à francesa. Pelo jeito,
ela não era a única digna de morte ali.
A pena capital está fundamentada no Princípio da
Proporcionalidade. Moisés declarou que “quem ferir o outro, de modo que este
morra, também será morto (...) Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé
por pé” (Êx 21:12, 24). Trata-se da lei de talião, que visava impedir abusos
por parte de requeresse justiça. Quem perdesse um olho, não poderia cobrar dois
de quem o furou. Sem dúvida, qualquer jurista vai dizer que esta lei foi um
avanço na compreensão que a sociedade alcançou acerca do direito. Todavia,
Jesus veio nos mostrar um caminho mais excelente. Leia atentamente o que Ele diz:
“Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.” Mateus 5:38-39
Jesus, portanto, lança um
novo fundamento sobre o qual deveríamos construir a civilização do reino: o perdão. Ele reconhece o direito que a
sociedade tem de requerer a morte de quem praticou um crime hediondo, porém,
nos desafia a ir além do exercício deste direito, perdoando e rompendo assim
com o ciclo da violência. Por incrível que pareça, Gandhi, um hindu, percebeu
isso melhor do que muitos cristãos. Pregador da não-violência, ele acreditava
que se levássemos a lei do “olho por olho” ao pé da letra, todos acabaríamos
cegos.
A
prova de que a justiça humana falha está no fato de Jesus ter sido condenado à
morte inocentemente. O mesmo não aconteceu com os outros dois crucificados ao
Seu lado. Um deles reconheceu a inocência de Jesus e a sua própria culpa. Se
aquele ladrão que se converteu na cruz tivesse a chance de ter sua pena
revogada, ele teria se tornado numa bênção para toda a sociedade. Acho que ele
teria sido mais útil no mundo do que no paraíso. Eu
só poderia ser a favor da pena de morte se não acreditasse no poder que
o evangelho tem de transformar monstros em homens de bem.
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