É da natureza
humana buscar respostas aos questionamentos da mente, bem como sobre as
impressões e situações da vida. Esta irremediável busca torna-se ainda
mais insistente perante assuntos ligados à nossa própria existência. "De
onde viemos?", "Por que somos como somos" e "O que há após a morte" são
algumas perguntas repetidas em praticamente todas as 6,9 mil línguas
vivas em nossos dias.
Diferentes grupos
usam diferentes fontes para perseguir as respostas, e cada uma delas
revela seus critérios e pressupostos. A ciência utiliza aquilo que pode
ser comprovado mediante provas científicas. Como diversos assuntos
(espirituais, por exemplo) não cabem na régua científica, são reputados a
outras categorias. A filosofia utiliza a lógica humana para aquilo que
lhe parece fazer sentido. Assim, as hipóteses são submetidas ao
confronto das antíteses com a possibilidade do encontro de uma síntese
que faça sentido ao assunto estudado. É o conhecido método dialético. A
teologia cristã baseia-se na revelação bíblica que guia, expõe e
esclarece as verdades simples e complexas da vida – e também estrutura
tais verdades em doutrinas que tratam de temas específicos, além das
confissões de fé.
Tratando-se de
apologia cristã, apesar de teólogos usarem com liberdade outros campos
de estudo (como a ciência e a filosofia) para suas abordagens, é vital
que se defina qual é a fonte primária para a construção das respostas.
Um teólogo reformado, que crê na Bíblia como Palavra inspirada por Deus
em sua totalidade, inerrante em sua revelação e provedora de orientação
para a humanidade em todas as gerações, entende que ela é a fonte de
verdade e vida.
O universalismo é
a crença de que todos serão salvos e o inferno não existe. Foi
promovido por autores como Gerrard Winstanley, Richard Coppin e George
de Benneville no século 17: portanto, não é novo. Na América do Norte,
os que aderiram a essa linha teológica passaram a ser chamados de
universalistas. Há até uma Igreja Universalista, que abriga tais
ensinos. George Knight tornou-se o maior defensor do universalismo sob
influência dos escritos de Friedrich Schleiermarcher e George MacDonald.
Quanto Rob Bell,
pastor norte-americano, até pouco tempo atrás ligado à Mars Hill Bible
Church, em Grandville, no estado americano do Michigan, expõe sobre suas
crenças universalistas, faz uma confusa mistura de fontes – assim como
outros pensadores que defendem essa abordagem teológica. Em alguns
momentos, as Escrituras são usadas para justificar e trazer respostas;
em assuntos mais desconfortáveis, como o pecado e o inferno, porém, a
filosofia ou a ciência é escolhida para propor as soluções, mesmo que
contraditórias à Palavra. É importante lembrar que escolher as partes
bíblicas nas quais se deseja crer é um antigo costume do liberalismo
teológico. Bell tem levado adiante a proposta por meio de carismáticas e
bem articuladas palestras, além do seu livro O amor vence – Um livro
sobre o céu, o inferno e o destino de todas as pessoas que já passaram
pela terra, publicado no Brasil pela editora Sextante. O livro fez
barulho. Bell foi entrevistado para a capa da revista Time, viu sua obra
ser transformada em filme – Hellbound?, ou "Quem vai para o inferno?" –
e teve seu nome entre os mais comentados no Twitter. Aqui no Brasil,
ele foi entrevistado pela revista Veja, numa conversa intitulada Quem
falou em céu e inferno?, e motivou sérias discussões teológicas e
debates na internet. E o assunto é mesmo palpitante. O universalismo
está ligado a outros movimentos como o inclusivismo – a ideia de que
Deus salvará a humanidade por outros meios, além do Evangelho –; a
teologia do processo, pela qual Deus conhece o futuro, mas não todo ele;
e a hipercontextualização, segundo a qual Deus se revela em todas as
religiões e o sincretismo religioso deve ser o alvo da fé cristã. De
fato, dizer que o inferno existe é um discurso meio fora de moda.
"Você defende o
inferno?" Esta foi a pergunta que ouvi, em tom confrontador, de um
universitário, enquanto conversávamos sobre a salvação em Cristo. Minha
resposta foi sobre minha crença em Deus e na autoridade da Bíblia, a
qual nos apresenta o inferno como verdade, assim como o céu. Trata-se,
então, simplesmente de aceitação da autoridade bíblica. O inferno é uma
tragédia sem precedentes. Não é assunto a ser defendido com empolgação,
mas reconhecido com profundo lamento. Junto à queda dos nossos pais,
narrada no Gênesis, é possivelmente o assunto mais trágico e agonizante
de toda a Palavra.
RELATIVISMO
As Escrituras
expõem o assunto de forma abundante. Jesus nos falou sobre o "inferno de
fogo" em Mateus 5.22, e admitiu a possibilidade de o corpo ser "lançado
no inferno" mais adiante, no versículo 29. "Perecer no inferno" e
"portas do inferno" são outras expressões de Cristo registradas no mesmo
evangelho, assim como a "condenação do inferno" (Mateus 23.33). As
Escrituras descrevem o inferno como "fogo inextinguível" (Marcos 9.43),
lugar de "tormento" (Lucas 16.23) e "fornalha acesa" (Mateus 13.42).
"Fogo eterno", lugar de "choro e ranger de dentes" e "cadeias de
escuridão" são outras expressões do Novo Testamento para descrevê-lo. Já
o Antigo Testamento fala sobre "angústias do inferno" (Salmo 116.3),
"profundezas do inferno" (Deuteronômio 32.22) e "profundo abismo", em
Isaías 14.15. Isso, sem mencionar diversas outras atribuições, parábolas
e narrativas bíblicas sobre o inferno.
Apesar de sermos
abundantemente alertados na Palavra sobre o inferno, não temos sobre ele
detalhes. Igualmente não conseguiremos compreender de forma plena, em
nossa limitação humana, a grandeza de Deus e o equilíbrio entre justiça e
amor, salvação e perdição, sacrifício e perdão. As Escrituras nos
revelam o que precisamos saber, a passagem de Deuteronômio 29.29 nos
esclarece que "as coisas encobertas pertencem ao Senhor", enquanto que
as reveladas foram dadas "a nós e nossos filhos". O texto acrescenta o
propósito disso: "Para que cumpramos todas as palavras desta lei".
Infelizmente, os
problemas teológicos cristãos são mais profundos do que apenas um
posicionamento a favor ou contra a existência do inferno. Eles estão
alicerçados nas marcas do nosso tempo, onde o homem, e não Deus, é
cultuado e no qual qualquer assunto que causa desconforto é evitado. A
prosperidade do homem substituiu a cruz de Cristo em diversos púlpitos.
Dentre diversos fatores que influenciam e definem o pensar do homem na
atualidade, dois dos principais são o relativismo e o antropocentrismo. O
relativismo cultural é um conceito atraente que parte de uma premissa
de tolerância e equilíbrio. Na antropologia, a grande contribuição do
relativismo foi abrandar a arrogância das nações conquistadoras e gerar
uma visão de tolerância, especialmente nos encontros interculturais.
Porém,
apresentado em sua forma radical – cada vez mais presente na condução do
pensamento da atualidade –, percebe-se que neste sistema não há valores
universais, uma vez que todo valor é relativo a si mesmo. Assim, em sua
compreensão, conceitos como a ética, o bem e o mal são relativos em
relação à ótica de quem os observa e experimenta. Tal pensamento, dessa
forma, promove uma das mais inteligentes armadilhas para o Cristianismo
que se fundamenta na Palavra: diluir a linha divisória entre
discordância e discriminação. Sob uma ótica relativista radical, toda
discordância é vista como ato de discriminação em relação ao que é
diferente. Assim, o cristão é constrangido a não expor de forma clara a
sua fé.
A sociedade
utiliza sua própria compreensão de cultura para justificar seus desvios;
porém, nem tudo o que é cultural é puro. O relativismo ético extremado
tem tentado moldar esta geração, convencendo-a de que toda prática
humana é justificável desde que seja aceita por um grupo, ou seja, pelo
próprio homem. Em última análise, o relativismo radical nega as trevas.
Assim fazendo, torna-se desnecessária a luz e a verdade. Este é o ponto
mais sutil e perigoso dessa tendência antropológica e filosófica.
CONDIÇÃO CAÍDA
A Palavra nos
afirma o contrário. O Evangelho não foi enviado ao mundo por um desejo
divino desconectado da realidade humana, mas como solução de Deus
perante a morte da humanidade. Assim, a condição humana, caída e em
trevas, além do universo quebrado – que, segundo as Escrituras, geme por
restauração –, são as principais necessidades missionais para o plano
de Deus. A humanidade precisa de luz. Sem nossas trevas, não seriam
necessárias a cruz nem a ressurreição de Cristo. É preciso relembrar que
Jesus Cristo é o cumprimento da promessa de Deus como resposta à
angústia do universo caído.
O primeiro
capítulo da Epístola aos Romanos nos fala sobre a separação entre
Criador e criatura. No verso 18, lemos: "A ira de Deus se revela do céu
contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela
injustiça". No verso 20, Paulo afirma que Deus se manifestou desde a
criação – e, mesmo assim, continuamos impiedosos e perversos. Somos,
assim, indesculpáveis. Convém notar que a expressão "ira de Deus" não se
manifesta contra o ser humano, mas contra a impiedade e a perversão do
homem. Deus ama o homem, mas odeia o pecado.
A sociedade hoje é
uma evidência de nossa separação de Deus, tanto pela impiedade quanto
pela perversidade. E é pela existência da separação (trevas) que se faz
necessária a luz: a luz irradiada na cruz para salvação de todo aquele
que crê ainda brilha hoje. Jesus, nossa luz, raiou e brilha em nós. Em
Mateus 4.16 confirma-se o que Isaías já havia dito: "O povo que vivia
nas trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da
morte raiou uma luz".
Nos versículos 19
e 20 do primeiro capítulo da carta aos Romanos, Deus se manifesta
através da criação. Há aqui um elemento fundamental: Deus é soberano,
criador de todas as coisas, controlador do universo e detentor da
autoridade sobre a nossa história. Os homens, citados no verso 18,
tornam-se indesculpáveis por ser Deus revelado na criação "desde o
princípio do mundo", sendo revelado tanto o "seu eterno poder" quanto "a
sua própria divindade".
Portanto, perante
um homem caído, existente em sua própria injustiça, impiedoso e
perverso, Paulo não destaca soluções humanas, eclesiásticas ou mesmo
sociais. Ele nos apresenta Deus. Na teologia paulina, a solução para o
homem não é o homem, mas é Deus e sua revelação em Cristo. O apóstolo
enumera alguns atos de perversão. No verso 20, ele nos fala da perversão
filosófica em que os homens, mesmo perante a manifestação de um Deus
que tudo criou, procuram alicerçar suas vidas com base em seus próprios
pensamentos corruptíveis. No verso 23, ele aborda a perversão religiosa,
manifesta na mudança da glória de Deus, incorruptível, em imagem de
homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Isso nos
remete à realidade da idolatria.
Do verso 26 em
diante, Paulo fala a respeito da perversão ética e moral e menciona que o
homem deixa o contato natural com a mulher, havendo até relacionamentos
"homens com homens, cometendo torpeza". Ou seja, a natureza humana é
pecaminosa e o homem se põe a cometer "atos inconvenientes, cheios de
injustiça, malícia, avareza e maldade". Alguns desses atos pecaminosos
são enumerados a seguir: inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade,
soberba, insolência.
O homem,
portanto, não é condenado por não conhecer a história bíblica; ele é
condenado por não glorificar ao Senhor. Os homens não são condenados por
não ouvirem a Palavra; eles são condenados, cada um, por seus pecados. O
desenvolvimento do texto deixa claro que, perante semelhante quadro de
escuridão e perdição, Deus se levanta e nos atrai a ele, em Cristo
Jesus.
É comum ao homem
caído gerar a ideia de um deus que simplesmente satisfaça aos seus
anseios sem lhe confrontar. Esses deuses utilitários e manipuláveis são
encontrados em abundância em toda a história da humanidade e das
religiões. Biblicamente, porém, não há sentido em apresentar Deus que
busca se relacionar com o homem sem expor o pecado humano e seu estado
de total carência de salvação. O relativismo radical, associado ao
individualismo, tem levado muitos cristãos a apresentarem o lado
consolador do Evangelho, omitindo, contudo, sua realidade confrontadora.
Fala-se sobre um Deus que salva o perdido, mas deixa-se de lado a
realidade do estado humano de perdição. Fala-se sobre o céu, mas não
sobre o inferno. Fala-se sobre a cura que alegra, mas não sobre o
sofrimento que burila. Dentro dessa lógica, "pecado" tornou-se um termo
politicamente incorreto e associado à descriminação do indivíduo. Paulo,
porém, nos lembra que é vã qualquer tentativa de se expor o Evangelho
de salvação sem a apresentação da verdade do homem caído, perdido, em
trevas e com total carência da luz de Deus.
SATISFAÇÃO HUMANA x GLÓRIA DE DEUS
Já o movimento
sociocultural histórico e mundial do antropocentrismo vem se delineando
na pós-modernidade a partir de uma perspectiva individualista que
desenvolve o hedonismo e narcisismo. Apesar dos termos repaginados a
cada geração, o antropocentrismo tem sua raiz em Gênesis 3, quando
nossos pais escolheram satisfazer um desejo pessoal em detrimento da
obediência a Deus. Em seu coração, o homem colocava-se pela primeira vez
no centro da criação. Hoje, não é diferente. O homem busca ser o centro
do universo e da teologia. Assim, mesmo na teologia os temas mais
celebrados em nossos dias giram em torno da satisfação humana, e não da
verdade divina. Fala-se de céu, e não de inferno. Promete-se a
prosperidade que satisfaz e omite-se o sofrimento e a perseguição.
Contudo, na galeria dos heróis da fé, mencionados em Hebreus 11,
encontramos cristãos fiéis sofrendo, cortados ao meio, lançados em covas
de leões, torturados, maltratados e encarcerados. Lemos que ali
mulheres perderam, repentina e tragicamente, seus maridos, e filhos
perderam seus pais.
A influência
antropocêntrica também leva a Igreja a desenvolver um perfil contrário à
missão. Ela passa a escolher e destacar os versos bíblicos que prometem
felicidade e paz, deixando em segundo plano os trechos que falam sobre
missão, responsabilidade e serviço. O hedonismo e o narcisismo são
variantes deste movimento antropocêntrico que tem influenciado a Igreja
de Cristo de forma extremamente rápida em nossos dias. O hedonismo – a
busca pelo prazer e realização pessoal – tem tentado extinguir toda
chama de abnegação, disposição e sacrifício do crente pela causa de
Deus. Ele também impele o cristão a escolher suas crenças aceitando
aquilo que não o confronta. A cultura do entretenimento tenta substituir
a cultura do serviço. Assim, a humanidade passou a definir suas
atitudes e expectativas perante um único crivo: o que lhe dá prazer.
Outra influência
antropocêntrica é o narcisismo. Este desejo de ser belo e reconhecido
como tal é outro elemento que cativa a Igreja a andar em caminhos nos
quais se substitui a glória de Deus pela humana. Se o motivo maior da
existência da Igreja é glorificar a Deus, o narcisismo é uma das maiores
barreiras em nossa caminhada. Por estímulo narcisista, diversos crentes
fazem a coisa certa pela motivação errada. A armadilha contida nessa
variante antropocêntrica é nos tornarmos pessoas envolvidas com Deus e a
sua obra, ativas na igreja e na missão, solícitas para cooperar com o
próximo – porém, tudo é feito para nossa própria exaltação e glória.
Enganoso é o coração!
O narcisismo
tenta despertar em nós a vaidade que faz nascer o desejo de sermos
reconhecidos, bajulados e mencionados por outros de forma destacada. É
preciso, porém, compreender que, para cumprir a vontade do Pai, não nos
basta colocar a mão no arado: é necessário buscar um coração puro.
Perante os desafios da vida e da fé, é preciso definir a fonte. O que a
Reforma Protestante produziu no século 16 foi um retorno à Palavra que
necessita ser exercitado a cada dia. Vivemos um dos momentos mais
sensíveis quanto ao ataque à fé cristã em nossa geração. A Igreja está
sendo influenciada por relativismos e antropocentrismos que a levam a
buscar a fórmula da felicidade, e não a obediência ao Pai. Também nossos
jovens estão sendo frontalmente combatidos nos meios universitários em
razão de sua fé. A promoção do ateísmo, em todas as instâncias de
convívio social, jamais foi tão forte. Perante tais ataques devemos
dobrar nossos joelhos em oração, alicerçar nossa fé nas Escrituras e
ensinar abundante e insistentemente aos nossos filhos as verdades de
Deus.
Ronaldo Lidório é pastor presbiteriano, teólogo e antropólogo. Serve como missionário junto aos povos indígenas do Brasil (APMT/AMEM) e coordena o Instituto Antropos, que treina e assessora missionários em diversos países
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