O Sistema Único de Saúde vem
sofrendo golpes sucessivos que desviam o sentido com que foi criado de
prover acesso universal a serviços de saúde de qualidade. O golpe mais
recente foi a reiteração e a constitucionalização do seu
subfinanciamento com a EC 86, de 2015, que dispõe sobre o orçamento
impositivo e estabelece como percentual de recursos da União vinculados à
saúde, 15% das receitas correntes líquidas (em cinco anos), ao invés do
equivalente a 1o% de suas receitas correntes brutas como proposto pelo
projeto de lei de iniciativa popular.
A EC-86/15 asfixia o SUS não só
pela diminuição dos recursos federais, mas também pela criação da emenda
impositiva que tira da saúde o que era para ser transferido
automaticamente para os orçamentos municipais e estaduais e dá aos
parlamentares o poder de devolvê-los de acordo com interesses políticos
particulares. O orçamento deveria garantir o atendimento às necessidades
de saúde expressas em planos de saúde e aprovados nos conselhos, e não
ser objeto de negociações eleitorais ou partidárias.
Além da EC 86/15, foi aprovada a
Lei 13019, de 2014, que abriu a assistência à saúde ao capital
estrangeiro, numa afronta à vedação constitucional inserta no art. 199, §
3º, que proíbe tal participação por ser antagônica à definição da saúde
como direito público. Este artigo 142 da lei está sendo arguido de
inconstitucionalidade pelas entidades de defesa do SUS universal e
igualitário.
O que fica cada vez mais claro é que está em curso uma subversão do projeto constitucional para a saúde.
Agora, está em discussão no
Congresso a PEC 451, de 2014, de autoria do deputado Eduardo Cunha, que
altera o art. 7º da Constituição, inserindo novo inciso, o XXXV, o qual
obriga todos os empregadores brasileiros a garantirem aos seus
empregados serviços de assistência à saúde, excetuados os trabalhadores
domésticos, afrontando todo o capítulo da seguridade social e a seção da
saúde e seus dispositivos.
Como as Propostas de Emenda
Constitucional têm que ser assinadas por 1/3 da Câmara dos Deputados,
está ficando evidente que entre os parlamentares há muita gente
interessada no desmonte do SUS.
Tal proposta de alteração da
Constituição, do mesmo modo que a Lei 13019/14, gera uma antinomia
jurídica, por romper com o princípio consagrado no art. 196 que estatui
ser a saúde um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que reduzam o risco de doença e de outros
agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a
sua promoção, proteção e recuperação.
A PEC 451 viola o direito à
saúde, conquistado na Constituição, ao dizer ser direito fundamental do
trabalhador a assistência médica e ao afirmar ser dever do empregador.
Secciona o SUS que tem como diretriz constitucional a integralidade da
atenção à saúde, ao fracionar a assistência à saúde, os seus usuários e o
devedor da garantia do direito à saúde que deixa parcialmente de ser o
Estado.
Por esse rumo, o Brasil está
desmontando o SUS e fortalecendo o setor privado dos planos de saúde, de
modo pior ainda do que nos tempos do INAMPS quando o trabalhador
dispunha de seguro de saúde próprio que era gerido pelo Estado. Agora o
mercado opera ainda mais livremente, consolidando o tratamento da saúde
como uma mercadoria.
A quem interessa fragmentar os
usuários do SUS, subfinanciar o sistema, abrir a assistência médica ao
capital estrangeiro, tudo numa só tacada, sem diálogo com seus usuários,
os movimentos populares de saúde, os estudiosos e os pesquisadores da
Saúde Coletiva, os conselhos de saúde, os trabalhadores do SUS?
Certamente não é quem usa o SUS, tampouco quem quer o seu sucesso.
A PEC 451 aponta para a
ressuscitação de uma situação pior do que a do antigo INAMPS ao garantir
que as seguradoras e operadoras privadas de planos de saúde tenham um
mercado cativo garantido pela própria Constituição. A definição da saúde
como direito de todos e dever do Estado é substituída pela determinação
de que, para os trabalhadores do regime previdenciário público, o
direito à saúde será garantido por plano privado de saúde, remunerado
pelo empregador.
Esta página foi virada na década
de 80. É inaceitável a mutilação do direito à saúde e a redução do SUS a
um sistema complementar aos planos privados de saúde; um sistema pobre
para pobre que aprofunda as nossas já persistentes e intoleráveis
desigualdades sociais.
Se tal medida prevalecer, haverá
um SUS definitivamente de baixa qualidade para os que não podem pagar
pela saúde – os pobres, desempregados, aposentados, viúvas, órfãos –
convivendo com o resto da população empregada com acesso a planos
privados caros, de categorias diferenciadas conforme for o porte do seu
empregador, cuja garantia de qualidade é uma incógnita frente à frágil
regulação do setor. Garantia de desigualdade de atendimento permitido
pela própria Constituição, ferindo o princípio da isonomia e o da
igualdade no SUS.
O triângulo que está sendo
construído do baixo financiamento, capital estrangeiro na assistência de
planos de saúde e obrigatoriedade de todos os empregadores garantirem
um plano de saúde para seus trabalhadores, visa a atacar o coração do
SUS: sua sobrevivência econômica; a integralidade da assistência; o
acesso universal e o crescimento do espaço para o capital privado,
incluindo o estrangeiro, atuar no setor, fazendo dos serviços de saúde
apenas um negócio lucrativo.
As entidades signatárias se
manifestam contra todas as iniciativas que comprometem os preceitos
Constitucionais que garantem o direito à saúde e o dever do Estado, e a
consolidação do SUS: universal, igualitário e de qualidade.
Conclamam o povo brasileiro e
todos os que hoje se mobilizam em torno da 15ª Conferencia Nacional de
Saúde a debater e lutar pela manutenção do direito à saúde e do SUS, tal
como definido pela Carta Magna e que foi resultado de grandes lutas,
cujo ápice se deu na 8ª Conferência Nacional de Saúde.
Repudiamos veementemente todas as
iniciativas que no Congresso Nacional atentam contra a democracia
social, a dignidade das pessoas e os interesses populares em relação à
saúde.
Entidades signatárias:
ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
ABrES – Associação Brasileira de Economia da Saúde
AMPASA – Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde
APSP – Associação Paulista de Saúde Pública
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
IDISA – Instituto de Direito Sanitário Aplicado
REDE UNIDA – Associação Brasileira Rede Unida
SBB – Sociedade Brasileira de Bioética
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