O Globo
O kirchnerismo e o chavismo têm
vários pontos em comum. A Venezuela de Chávez socorreu financeiramente a
Argentina dos Kirchner em momentos difíceis, e enviou recursos para a
campanha de Cristina. O chavismo, com a morte do comandante, passa
agora, guardadas as devidas proporções, pela situação que o kirchnerismo
conheceu com a morte de Néstor.
O futuro de ambos os movimentos é
incerto, como o demonstra a apertadíssima — e sob vários aspectos
suspeita — vitória do “filho de Chávez”, Nicolás Maduro, sobre o
candidato das oposições venezuelanas, Henrique Capriles.
Na
Argentina, a morte de Néstor, em 2010, destruiu o esquema de “sucessão
matrimonial” pelo qual ele deveria suceder a Cristina. Diferentemente da
Venezuela, onde Chávez logo aplicou o “kit bolivariano” para assegurar o
direito à reeleição indefinida, o kirchnerismo ainda não obteve a
emenda constitucional que garanta à presidente o terceiro mandato
consecutivo. Mas também não desistiu da ideia.
Foto: Fernando Llano / AP
O
chavismo pode estar vivendo seu ocaso. Maduro não é Chávez, e os
problemas econômicos e sociais da Venezuela são imensos. O kirchnerismo,
por sua vez, não tem herdeiro aparente, e o governo autocentrado de
Cristina leva a Argentina rumo ao isolamento, em meio a graves
desequilíbrios econômicos e sociais, embora o PIB cresça por força da
agroindústria.
Ambos são regimes acuados cuja reação é governar
apenas para seus partidários. Algo gravíssimo na Venezuela, que saiu das
eleições rachada ao meio. As primeiras declarações e medidas de Maduro
mostram que ele opta pela exclusão dos quase 50% que votaram na
oposição.
Altos círculos chavistas planejam uma caça às bruxas no
serviço público para excluir os suspeitos de terem votado em Capriles ou
não terem demonstrado o esperado fervor chavista. A tática do confronto
é temerária.
O casal K nunca levou em conta críticas, opiniões e
sugestões, o que se agravou com Cristina. A Argentina está atrasada na
aplicação do “kit bolivariano”, e a presidente corre contra o tempo. Sua
obsessão é aprovar uma reforma que politizará o Poder Judiciário,
permitindo ao governo manipulá-lo. Os parlamentares deverão examinar
hoje o projeto, e têm a imensa responsabilidade de manter a
independência do Judiciário. É difícil, pois o governo tem maioria no
Congresso.
Se a reforma passar, Cristina terá mais poder para
aplicar outro instrumento de inspiração chavista: a Lei de Meios, que
visa a enfraquecer empresas de comunicação, como o Grupo Clarín,
críticas do governo.
Na Venezuela, a liberdade de expressão foi
praticamente suprimida, e as instituições, desmontadas. Na Argentina,
algumas instituições democráticas ainda resistem. Mas estão sob o cerco
de um regime autoritário e populista que quer impor ao país um
receituário chavista que agora se mostra claramente falido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário