por Conceição Lemes
Nesta quarta-feira 24, está na pauta da Comissão de Finanças e
Finanças da Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 478/2007, que
“dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e da outras providências”.
Esse projeto baseia-se na crença de que a vida tem início desde a
concepção, ou seja, antes mesmo do ovo ser implantado no útero. Visa,
assim, estabelecer os direitos dos embriões – os chamados nascituros.
Parte, assim, da concepção equivocada de que o nascituro e o embrião
humanos teriam o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e
vivas.
Se aprovado, esse projeto derruba qualquer direito de as mulheres
decidirem pela interrupção da gravidez, mesmo em caso de risco de vida
da mulher, anomalia grave (como anencefalia) e estupros, já garantidos
por lei no Brasil.
O projeto ainda prevê uma bolsa para as mulheres vítimas de estupro
criarem seus filhos, porém esta bolsa só será viável se a mulher
denunciar o estupro. Não à toa é conhecido como “Bolsa Estupro”.
Organizações e ativistas que trabalham com saúde e direitos humanos
das mulheres no Brasil estão contra o Projeto de Lei nº 478/2007.
“A proposta de dar ao nascituro um ‘estatuto’ é mais uma tentativa
dos setores mais retrógrados da sociedade de impedir a efetivação dos
direitos de cidadania das mulheres”, observa a socióloga Maria José
Rosado, coordenadora geral de Católicas pelo Direito de Decidir – Brasil. “Inúmeras
pesquisas opinião mostram que a população brasileira, independentemente
de filiação religiosa, é majoritariamente favorável a que continuem
sendo permitidos os abortos legais e é contrária a que as mulheres sejam
presas por realizarem um aborto. Essa proposta, além de ferir a
Constituição vigente, significaria um grave retrocesso.”
De fato, o chamado estatuto do nascituro tem graves problemas de
inconstitucionalidade, como já foi apontado pelo parecer elaborado pela
Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil –
Seção Rio de Janeiro (OAB-RJ), em 2011.
“Ao estabelecer o embrião como pessoa em lei ordinária, o Estatuto do
Nascituro tenta driblar a reforma da Constituição Federal para inserir
no seu preâmbulo a premissa do direito à vida desde a concepção”, atenta
Sonia Corrêa, pesquisadora associada da ABIA e co-cordenadora do
Obsevatório de Sexualidade e Política. “Os setores dogmáticos tentaram
gravar essa premissa na Constituinte de 1986 e em 1995 (através de uma
PEC), tendo sido derrotados em ambas as ocasiões.”
“Caso seja aprovado, o estatuto do nascituro empurrará a legislação
brasileira sobre aborto para a gaveta das leis mais retrógradas do
mundo”, alerta Sonia. “Bate de frente com a opinião pública nacional
que não quer ver a lei alterada. Também vai ser difícil explicar ao
mundo como e porque esse projeto, com tantos vícios, se tornou lei numa
quadra histórica em que a imprensa internacional descreve a
administração Dilma Rousseff como uma ‘revolução de gênero’.”
Na verdade, a volta da proposta do Estatuto do Nascituro à pauta da
Câmara dos Deputados insere-se num quadro crescente de conservadorismo
no Brasil. Vem num momento de retrocesso em que vemos atores
historicamente comprometidos com o avanço da agenda dos direitos humanos
se recolherem.
A eleição do deputado Marco Feliciano para presidir a Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados é o retrato pronto e acabado
deste instante.
Angela Freitas, feminista autônoma, militante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), avisa:
”O risco iminente de aprovação desse
absurdo Estatuto não surpreende, já que conhecemos o perfil do Congresso
de que dispomos. É uma ideia antiga, cuja natureza hoje encontra campo
fértil nas casas legislativas (não só em Brasilia mas nos estados e
municípios), adubado pelas frentes parlamentares religiosas, com seus
crescentes recursos e bem sucedida estratégia. Por sua vez, organizações
do movimento social por direitos de cidadania resistem. Estão alertas,
apreensivas e ocupando seu lugar de diálogo e pressão política para
evitar o pior”.
Jandira Queiroz, feminista, pesquisadora associada para a América
Latina do Political Research Associates (PRA), vai fundo: ”Atores
historicamente comprometidos com o avanço da agenda dos direitos humanos
estão colocando os direitos de mulheres, LGBTs, indígenas e outros
grupos das chamadas minorias entre a cruz e a caldeirinha de óleo
fervente”.
Jandira dá nome e sobrenome para os responsáveis por este contexto:
“A forma como o governo e sua base aliada
estão se alinhando com a direita cristã ultraconservadora em nome de
uma suposta governabilidade é assustadora e revoltante.
Este não é um fato isolado, tem relação
direta com a metodologia da direita cristã que atua nos EUA, e que
exporta o modelo de ‘defesa da família, da vida e dos valores
tradicionais’ a países como Uganda, Malawi e as Filipinas.
Fazem crer que a cultura cristã é a base
dos tais ‘valores tradicionais’ e que o único modelo aceitável de
família é aquele que a Igreja Católica forjou na Europa durante a Idade
Média – monogâmica, formada por marido, esposa e filhos.
O Brasil é hoje a maior nação católica do
mundo em número absoluto de fiéis registrados junto ao Vaticano
(batizados), e onde a população evangélica cresce muito rapidamente.
O interesse das denominações cristãs em se fazer visíveis e demonstrarem poder no Brasil é explícito.
Não é à toa que uma das principais organizações da direita cristã estadunidense, o American Center for Law and Justice,
que, entre outras coisas, ajudou a redigir o Ato em Defesa do Casamento
(DoMA, contra o casamento igualitário nos EUA) e a lei de pena de morte
a homossexuais em Uganda, está abrindo um escritório no Brasil.
O American Center for Law and Justice
mantém relação direta com o gabinete do vice-presidente Michel Temer,
como já expliquei em um artigo publicado na edição de dezembro de 2012 da revista Public Eye, nos EUA.
Na campanha de 2002, o PT foi pedir ajuda
às igrejas evangélicas e nos colocou na situação que estamos hoje:
empoderamento vil de pseudo representantes de Cristo, disseminando ódio
e intolerância.
Pode ser que esses efeitos não estivessem
previstos naquele momento, mas agora é hora de lidar com eles. Cito o
poeta brasiliense Luis Turiba que certa vez professou: ou a gente se Raoni, ou a gente se Sting”.
Já existe uma petição com quase 14 mil assinaturas contra o
projeto 478/2007. Ela elenca 10 razões pelas quais o Estatuto do
Nascituro é prejudicial à saúde e aos direitos humanos das mulheres.
Para assinar a petição, CLIQUE AQUI.
Em tempo: A famigerada MP 557, que ficou conhecida
como a MP do Nascituro, inseria-se nesse quadro retrógrado que ameaça os
direitos das mulheres no Brasil. Só não vingou graças à firme atuação dos movimentos feministas e de saúde da mulheres.
do Viomundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário