por Heloisa Villela, de Nova York
Cômico? Eu quase morri de rir. Mas o assunto é sério e as
consequências podem ser devastadoras. Começo da conversa na cozinha da
minha casa: um amigo, funcionário do Instituto Nacional de Saúde,
especialista em pesquisas de Alzheimer contou, indignado, a sabatina à
qual foi submetido, no escritório, no horário de trabalho. Avisado de
que seria entrevistado por um consultor a serviço do governo, ele já
esperava o pior. Mas não esperava tanto.
A funcionária da tal empresa de consultoria não aparentava mais de 25
anos. Sentou-se diante dele disposta a vasculhar cada canto da vida
profissional e pessoal do cientista. Ela não sabia com quem estava
bulindo. As perguntas iniciais eram bastante ingênuas. Mas aos poucos
ela foi se insinuando para a vida pessoal do funcionário público. Ele,
que não é nada bobo, respondeu à altura.
– Para onde você viajou nas últimas férias?
– Essa informação é pessoal. Não tem relação alguma com o meu
trabalho. Por isso, não vou responder. Quando saio de férias, faço o que
me dá vontade. Saio para me desligar do trabalho.
A conversa foi adiante, nada amigável. Ele não cedeu um milímetro.
Qualquer pergunta relacionada à vida pessoal foi respondida da mesma
forma. “Não é da sua conta e da conta de ninguém”. No mínimo.
Mas essa é a exceção à regra. Os norte-americanos, em geral,
respondem tudo e mais um pouco, sempre dispostos a abrir mão de qualquer
rasgo de privacidade em nome da segurança coletiva. Nos últimos dois ou
três anos, as perguntas se multiplicaram.
Agora, o jornal McClatchy publicou detalhes de um programa aprovado
pelo presidente Barack Obama que, ao que tudo indica, é a origem do
interrogatório ao qual o meu amigo foi submetido. Criado através de uma
Ordem Executiva (uma espécie de decreto-lei), ou seja, decisão direta de
Obama, ele se chama Programa de Ameaça Interna e entrou em vigor em
outubro de 2011, logo após Bradley Manning ter copiado centenas de
documentos secretos que foram entregues ao site WikiLeaks.
O Programa de Ameaça Interna exige que todos os departamentos do
governo treinem seus funcionários para que reconheçam possíveis ameaças à
segurança do país. O objetivo é fazer com que todo funcionário público
passe a procurar um futuro Bradley Manning em seu departamento ou
divisão. A ordem de Obama não se limita aos órgãos do governo que lidam
com a segurança, com a espionagem ou com as Forças Armadas. Ela inclui
os departamentos de saúde, de educação e até mesmo do chamado Corpo de
Paz, os voluntários estadunidenses que se revezam em missões
humanitárias em outros países.
Como preparar os funcionários públicos para tamanho desafio? Com uma
lista do perfil de possíveis traidores. Eles ensinam: é preciso ficar de
olho no estilo de vida do colega, possíveis problemas financeiros,
horários de trabalho fora do padrão, viagens de última hora, divórcio.
Um funcionário que, em média, copia 50 documentos por semana e,
surpreendentemente, faz cópia de 100 documentos de uma hora para outra
pode estar aprontando algo. Estes são alguns dos itens que fazem parte
do “perfil psicológico” de um possível traidor.
O que é ainda pior no programa de Obama: o funcionário que perceber
algo fora do comum e não alertar os superiores está sujeito a processo e
até mesmo punição com tempo de cadeia.
Maior empregador mundial, o governo americano tenta manter sob
controle, na base do medo, os funcionários que têm acesso a todo tipo de
informação. Que podem revelar ao mundo as entranhas de um poder que
parece enfraquecido e, por isso mesmo, cada vez mais desesperado. O tal
programa ficou a cargo de dois homens de confiança de Obama, o diretor
de Inteligência Nacional, James Clapper, e o que ocupa o cargo
erquivalente ao do ministro da Justiça, Eric Holder. Pelo visto, o país
não tem muito mais com que se preocupar…
Como todo programa que existe neste país, há sempre o lado lucrativo.
Segundo o jornal McClatchy, o Pentágono, as agências de inteligência e o
Departamento de Segurança Interna gastaram milhões de dólares em
projetos de pesquisa tentando definir uma lista de comportamentos
típicos de futuros Mannings.
Logo após os ataques de 11 de setembro de 2011, o Departamento de
Segurança Interna investiu US$ 878 milhões de dólares e contratou 2.800
pessoas com objetivo semelhantes ao projeto de Obama: traçar um perfil
de possíveis terroristas interessados em embarcar nos aviões comerciais
norte-americanos. Definir uma lista de comportamentos típicos de
terroristas potenciais disfarçados de passageiros. Deu com os burros
n’água. Jogou dinheiro fora. Enquanto isso, empregou muita gente.
Como o programa secreto de Barack Obama, que emprega empresas de
consultoria para promover a espionagem interna em todos os órgãos do
governo. O país pode perder. A relação de trabalho no funcionalismo
público pode se tornar insuportável.
Só que no processo, alguém encheu o bolso de dólares.
do Viomundo
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