Golpe faz 50 anos. Presidente discursou em evento no Palácio do Planalto.
Ela atuou em organização da esquerda armada que combateu ditadura.
A presidente Dilma Rousseff lembrou em cerimônia nesta segunda-feira (31), data que marca os 50 anos do golpe militar
de 1964, os mortos e desaparecidos políticos na ditadura. Nos anos
1970, a presidente foi presa e torturada por integrar uma organização de
esquerda que promoveu a luta armada contra o governo.
Ela participou de evento no Palácio do Planalto para assinatura de contrato da construção de uma ponte em Porto Alegre. Durante seu discurso (leia a íntegra ao final desta reportagem), Dilma disse que lembrar do golpe faz parte do processo de consolidação da democracia no país.
“Lembrar e contar faz parte desse processo que iniciamos, de luta do
povo, pela volta da liberdade, pela anistia, Constituinte, diretas, inclusão social,
Comissão da Verdade... Por todos os processos de implantação e
consolidação da nossa democracia, processo que foi construído passo a
passo, por cada um dos governos eleitos depois disso”, afirmou a
presidente.
(ESPECIAL "50 ANOS DO GOLPE MILITAR": a renúncia do presidente
Jânio Quadros, em 1961, desencadeou uma série de fatos que culminaram em
um golpe de estado
em 31 de março de 1964. O sucessor, João Goulart, foi deposto pelos
militares com apoio de setores da sociedade, que temiam que ele desse um
golpe de esquerda, coisa que seus partidários negam até hoje. O
ambiente político se radicalizou, porque Jango prometia fazer as
chamadas reformas de base na "lei ou na marra", com ajuda de sindicatos e
de membros das Forças Armadas. Os militares prometiam entregar logo o
poder aos civis, mas o país viveu uma ditadura que durou 21 anos,
terminando em 1985. Saiba mais).
"Nós aprendemos o valor da liberdade, o valor de um Legislativo e de um
Judiciário independentes e ativos. Aprendemos o valor da liberdade de imprensa,
o valor de eleger por um voto direto e secreto de todos os brasileiros,
de governadores, prefeitos... De eleger, por exemplo, um ex-exilado, um
líder sindical que foi preso várias vezes e uma mulher também que foi
prisioneira", completou Dilma.
saiba mais
Segundo a
presidente, o dia de hoje exige "que nós nos lembremos e contemos o que
aconteceu". "Devemos isso a todos os que morreram e desapareceram,
devemos aos torturados e perseguidos, devemos a suas famílias, devemos a
todos os brasileiros", afirmou.
Além de lembrar dos que morreram e lutaram pela democracia, Dilma fez
questão de exaltar os acordos políticos que levaram à redemocratização. Citando
a filósofa política alemã Hannah Arendt, a presidente afirmou que a dor
sofrida nesse período, "as cicatrizes visíveis e invisíveis" podem ser
"suportadas" porque hoje o país tem uma democracia "sólida".
"Se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulos, se existem
túmulos sem corpos, nunca, nunca, nunca mesmo pode existir uma história
sem voz. E quem dá voz à história são homens e mulheres livres, que não
têm medo de escrevê-la. E acrescento: quem dá voz à história somos cada
um de nós, que no nosso cotidiano afirma, protege, respeita e amplia a
democracia em nosso país", concluiu.
Segundo a presidente, durante 21 anos, "sonhos foram calados", mas o
Brasil, afirmou, ultrapassou essa etapa e aprendeu com o período.
“Nós podemos olhar para este período e aprender com ele, porque nós o
ultrapassamos. O esforço de cada um de nós, o esforço de todas as
lideranças do passado, daqueles que vivem e daqueles que morreram,
fizeram com que nós ultrapassássemos essa época, os 21 anos”, declarou.
Governador
do RS Tarso Genro ao lado da presidente Dilma Rousseff em solenidade
nesta segunda (31), no Palácio do Planalto (Foto: Roberto Stuckert
Filho/PR)
Leia abaixo a íntegra do discurso da presidente.
Bom dia a todos. Eu queria iniciar agradecendo a presença de todas as lideranças gaúchas que aqui compareceram.
Saudar o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que representa aqui os interesses do estado.
Saudar os ministros aqui presentes: o ministro César Borges, dos
Transportes, que tem demonstrado, à frente do Ministério dos
Transportes, uma capacidade de realização e de execução dos projetos que
nós consideramos prioritários; o ministro Aloizio Mercadante, da Casa
Civil; ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário; ministro
José Elito, do Gabinete de Segurança Institucional; a ministra Ideli
Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais; o ministro Thomas
Traumann, da Secretaria de Comunicação Social; e a ministra Maria do
Rosário, dos Direitos Humanos.
Queria cumprimentar também aqui presentes a senadora Ana Amélia, o deputado federal Pepe Vargas.
E queria cumprimentar também os nossos prefeitos: o prefeito José
Fortunati, de Porto Alegre, e o prefeito Henrique Tavares, de Guaíba,
que são os pontos geográficos da nossa segunda ponte do Guaíba.
E saúdo o Jairo Jorge, representando todos os prefeitos da grande
região metropolitana e do Rio Grande do Sul interessados, não só na
ligação da região metropolitana, mas também na ligação com a metade Sul
do estado.
Queria saudar ainda o senhor Heitor José Muller, presidente da
Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul. E saúdo o senhor Muller
pela sua dedicação desde logo a se empenhar por essa ponte, pela segunda
ponte do Guaíba.
E saúdo também o general Jorge Fraxe, diretor-geral do DNIT.
E o presidente do Conselho de Administração do grupo Marques
Queiroz Galvão. Quando eu o cumprimentei eu pedi que ele tivesse com a
segunda ponte do Guaíba, a mesma dedicação que ocorreu quando eles
ganharam a licitação para a construção da BR-448. Tenho certeza que será
assim.
Queria também cumprimentar o Fernando Stuck, diretor-executivo da Egetec Engenharia.
Cumprimentar os senhores jornalistas, as senhoras jornalistas, os senhores fotógrafos e cinegrafistas.
Eu gostaria de dizer hoje que, no exercício de um cargo público,
nós assumimos vários compromissos. Todos importantes, a maioria
urgente. Nós, e aqui estou falando de todos os integrantes do Executivo,
queremos cumpri-los, e trabalhamos muito para isso. Há sempre um ou
outro compromisso que acaba ganhando um peso significativo na nossa
agenda. Na minha agenda, adquiriu esse peso significativo a segunda
ponte do Guaíba, pelo fato de eu ter perfeita consciência da importância
dessa ponte para população do Rio Grande do Sul, para o desenvolvimento
do estado e para a qualidade de vida dos porto-alegrenses, dos
integrantes de toda a região metropolitana. E também pelo fato de ser
uma demanda histórica. Mais de 20 anos se passaram com essa demanda
sendo posta e reposta. E ainda, muitas vezes, pela proximidade pessoal
que nós temos com o problema. No meu caso, pelo fato de eu morar - eu
estou presidente, mas moro em Porto Alegre -, e de querer ver esse
problema superado. Eu sei o que acontece no trânsito da capital quando
se eleva o vão da ponte do Guaíba
Então, a construção da segunda ponte é um desses compromissos, e eu
tenho empenho em relação a ele. Por isso eu fiz questão de participar
da assinatura desse contrato. Nós, o governo
federal, vai investir R$ 649 milhões, um pouco mais de R$ 649 milhões,
numa obra que é esperada por todos os gaúchos, como eu disse. Nós vamos
ter um, quase dois quilômetros de ponte, mais 7,3 quilômetros de acessos
a elevados. Por que digo esses números? para mostrar a significação
deles quando se considera a largura do estuário do Guaíba e a
importância do Rio Grande do Sul não ser seccionado quando o vão da
segunda ponte se eleva. Porque até agora você tinha esse fenômeno
ocorrendo no Rio Grande do Sul, sistematicamente se separava a capital
de todos os gaúchos da metade sul do estado cada vez que a ponte subia e
lá ficava... portanto nós vamos ter menos congestionamento, nós vamos
ter algo que é fundamental para as pessoas, algo que a gente não
consegue repor na vida, que é o tempo, o tempo para o lazer, o tempo
para a família, o tempo para olhar os filhos, enfim, o que o Rio Grande
do Sul ganha com essa ponte, além da ligação e da unidade, da sua
unicidade, ele ganha tempo.
A partir de hoje, os projetos vão começar a ser elaborados, porque
essa licitação foi na forma de RDC, Regime de Contratação Especial. O
DNIT e o consórcio vencedor acordaram em analisar os projetos à medida
que forem sendo concluídos para acelerar o início das obras. Nossa
expectativa é grande e trabalhamos e trabalharemos muito para que as
obras comecem em junho. Em três anos, a partir de então, a segunda ponte
do Guaíba deverá estar pronta.
Estamos investindo muito para melhorar as condições de deslocamento
da população de Porto Alegre e em toda a região metropolitana, e eu
diria em todo o Rio Grande do Sul. A recuperação do conjunto das obras
que o governo federal realiza no estado do Rio Grande do Sul, feita pelo
senhor ministro dos Transportes, mostra perfeitamente o tamanho e o
esforço dos investimentos que nós realizamos. Eu tenho certeza que,
tanto a Rodovia do Parque, quanto o trecho São Leopoldo-Novo Hamburgo do
Trensurb, quanto o aeromóvel, quanto todas as rodovias ampliadas e
duplicadas, mudam a logística do estado do Rio Grande do Sul,
transformam essa logística numa logística de qualidade e permite que o
Rio Grande do Sul dê vários passos a frente em direção ao seu destino
histórico de ser uma das economias mais importantes do país.
Os recursos para o metrô – não é, prefeito Fortunati? - estão
garantidos, e agora, com muito orgulho, nós estamos garantindo também a
segunda ponte do Guaíba. Ao consórcio responsável, eu pedi total
dedicação à sua execução, e fico muito satisfeita porque eu assisti a
dedicação que o consórcio emprestou à construção da BR. Ao DNIT e ao
Ministério dos Transportes, nós solicitamos acompanhamento das obras,
para que os prazos sejam cumpridos. Nós sabemos das dificuldades de
obras de engenharia, mas, como se traçam metas, é para a gente buscar
cumpri-las. A todos que estão aqui e os que não estão aqui, que sabem e
que lutaram por essa obra, eu proponho que nós tenhamos pelo menos um
dia de comemoração, e que esse dia seja o dia que marca a tão sonhada segunda ponte do Guaíba.
Eu queria lembrar algumas coisas. Em cada ação se reflete o sinal
da sua época. Nessa ponte do Guaíba está refletido também o sinal de uma
época que nós estamos vivendo, uma época diferente do nosso passado,
não só como gaúchos, mas como brasileiros. A construção da ponte do
Guaíba envolveu abaixo assinado de associações de moradores, de
associações, as mais diversas da sociedade civil, envolveu campanhas nas
rádios, nos jornais, na internet, mobilização de pessoas, mobilização
nas câmaras de vereadores, nas prefeituras, reunião de técnicos do
estado com o governo federal, auditorias de preços, licitação,
acompanhamento dos órgãos de controle federais sobre a evolução da obra,
o Ministério Público, o Judiciário. Enfim, foram cumpridos todos os
ritos burocráticos que marcam o nosso país com instituições ativas, independentes e democráticas. Sinal dos tempos.
Cinquenta anos atrás, na noite de hoje, o Brasil deixou de ser um
país de instituições ativas, independentes e democráticas. Por 21 anos,
mais de duas décadas, nossas instituições, nossa liberdade, nossos
sonhos foram calados. Hoje, nós podemos olhar para esse período, olhar
justamente do ponto de vista dessa obra específica, mas que mostra toda a
capacidade e o envolvimento de todas as instituições num clima de
democracia. Nós podemos olhar para este período e aprender com ele,
porque nós o ultrapassamos. O esforço de cada um de nós, o esforço de
todas as lideranças do passado, daqueles que vivem e daqueles que
morreram, fizeram com que nós ultrapassássemos essa época, os 21 anos.
Nós aprendemos o valor da liberdade, o valor de um Legislativo e de
um Judiciário independentes e ativos. Aprendemos o valor da liberdade
de imprensa, o
valor de eleger pelo voto direto e secreto de todos os brasileiros
governadores, prefeitos, de eleger, por exemplo, um ex-exilado, um líder sindical, que teria sido preso, que foi preso várias vezes,
e uma mulher também que foi prisioneira. Aprendemos o valor de ir às
ruas e nós mostramos um diferencial quando as pessoas foram às ruas
demandar mais democracia. Aqui no Brasil não houve um processo de
abafamento desse fato. O valor, portanto, de ir às ruas, o valor de ter
direitos e de exigir mais direitos.
Embora nós saibamos que os regimes de exceção sobrevivem sempre pela interdição da verdade,
pela interdição da transparência, nós temos o direito de esperar que,
sob a democracia, se mantenha a transparência, se mantenha também o
aceso e a garantia da verdade e da memória e, portanto, da história.
Aliás, como eu disse quando instalamos a Comissão da Verdade, a palavra
“verdade” na tradição ocidental nossa, que é grega, é exatamente o
oposto do esquecimento e é algo tão forte que não dá guarida para o
ressentimento, o ódio, nem tampouco para o perdão. Ela é só e,
sobretudo, o contrário do esquecimento, é memória e é história. É nossa
capacidade de contar tudo o que aconteceu.
O dia de hoje exige que nós nos lembremos e contemos o que
aconteceu. Devemos isso a todos os que morreram e desapareceram, devemos
aos torturados e aos perseguidos, devemos às suas famílias, devemos a
todos os brasileiros. Lembrar e contar faz parte, é um processo muito
humano e faz parte desse processo que nós iniciamos com as lutas do povo
brasileiro, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pela
Constituinte, pelas eleições diretas, pelo crescimento com inclusão
social, pela Comissão da Verdade, enfim, por todos os processos de manifestação e de ampliação da nossa democracia que temos vividos ao longo das ultimas décadas, graças a Deus.
Um processo que eu foi construído passo a passo durante cada um dos
governos eleitos depois da ditadura. Nós reconquistamos a democracia a
nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis,
mas também por meio de pactos e acordos nacionais. Muitos deles
traduzidos na Constituição de 1988. Como eu disse, na instalação da
Comissão da Verdade, assim como eu respeito e reverencio os que lutaram
pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado e nunca
deixarei de enaltecer esses lutadores e essas lutadoras, também
reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram a
redemocratização.
A grande Hanna Arendt escreveu um dia que toda dor humana pode ser
suportada se sobre ela puder ser contada uma história. A dor que nós
sofremos, as cicatrizes visíveis e invisíveis que ficaram nesses anos,
elas podem ser suportadas e superadas porque hoje temos uma democracia
sólida e podemos contar nossa história.
Como eu disse, nesse Palácio, repito, há quase dois anos atrás,
quando instalamos a Comissão da Verdade, eu disse: se existem filhos sem
pais, se existem pais sem túmulos, se existem túmulos sem corpos,
nunca, nunca, mas nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem
da voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo
de escrevê-la. E acrescento: quem dá voz à história somos cada um de
nós, que no nosso cotidiano afirma, protege, respeita e amplia a
democracia no nosso país. Muito obrigada.
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