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29 julho 2013

MAURICIO ROMÃO CHAMA DE "DELÍRIO REFORMISTA" O PROJETO DE REFORMA POLÍTICA DA OAB


Maurício Romão - Divulgação internet
O professor e consultor pernambucano Maurício Romão chamou de “delírio reformista” o projeto de reforma política da OAB apresentado no auditório do TCE-PE na última quinta-feira pelo presidente nacional da entidade Marcus Vinicius Furtado Coelho.
O projeto também foi atacado pelo advogado pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho que o classificou de “muito ruim”.
Leia, abaixo, o artigo do professor Maurício Romão, que esteve presente ao lançamento:
Desde as manifestações de rua do mês de junho que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vem colhendo assinaturas para apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular direcionado à reforma política, incluindo mudanças no sistema eleitoral.Na sugestão da OAB as eleições proporcionais serão realizadas em dois turnos. No primeiro, os eleitores votarão apenas nos partidos (que apresentarão lista pré-ordenada de candidatos). No segundo, os eleitores votarão somente nos candidatos dos partidos que conquistaram vagas no turno precedente. Os candidatos mais votados no segundo turno serão considerados eleitos.
A proposta tem vários problemas.

Não é simples. Todo sistema misto de voto, que obriga o eleitor a votar duas vezes, perde o atributo desejável da simplicidade (inteligibilidade).Reduz a liberdade de escolha do eleitor. A prerrogativa que é concedida ao eleitor de votar em candidatos de sua escolha no segundo turno propicia apenas liberdade parcial, já que os candidatos foram definidos pelos partidos no primeiro turno. Concorre pouco para o fortalecimento dos partidos e não evita sua fragmentação.  Louvada pelos seus proponentes como um sistema que fortalece os partidos a proposta é incoerente neste aspecto porque admite as coligações proporcionais.De fato, na sistemática atual os partidos abrigados em alianças podem eleger representantes sem lograr atingir o quociente eleitoral. Numa configuração sem coligações, somente partidos que ultrapassam o quociente eleitoral ascendem ao Parlamento.O corolário dessa restrição é cristalino: partidos de pouca expressão numérico-eleitoral tendem a desaparecer, pois sua principal moeda de troca – tempo de TV, aluguel de sigla e cauda eleitoral – não terá mais valor no lucrativo mercado das eleições.Para sobreviverem, os partidos, nessa situação, incluindo os “ideológicos”, serão compelidos a fundir-se, diminuindo o número de siglas partidárias. Isso não ocorrerá no projeto da OAB, posto que a entidade não contempla o fim das coligações.Diminui o vínculo entre eleitor e parlamentar. Da feita que as candidaturas são gestadas interna corporis, no âmbito do partido, a atenção maior do parlamentar é com a instância partidária e menos com o eleitor. Esse distanciamento provoca certo alheamento do eleitor às atividades parlamentares do representante, que exerce seu mister sem interação com o representado (quer dizer, há uma baixa accountability).Há grande luta pelo poder dentro do partido, oligarquização, e pouca renovação de quadros. Esta é uma característica típica dos modelos de lista fechada. A cúpula partidária é quem decide sobre os nomes da lista, o que enseja briga intestina pelos postos de comando. Em geral, os caciques se perpetuam no poder e, é claro, nas listas partidárias, cuja taxa de renovação é geralmente baixa.Não evita que candidatos menos votados que outros sejam eleitos. Embora a proposta da OAB seja uma adaptação do modelo majoritário-distrital misto, sua estrutura conceptiva não impede de candidatos mais votados ficarem fora do Parlamento (nos sistemas majoritários isso não acontece, os mais votados são sempre os eleitos).
Com efeito, na variante da OAB os partidos ou coligações apresentam a julgamento do eleitor, no segundo turno, o dobro de candidaturas relativamente ao número de vagas conquistadas no turno anterior. Pode ocorrer, por exemplo, de todos os candidatos de um determinado partido terem sido os menos votados do pleito e, ainda assim, o partido preencherá as vagas que lhe pertencem, conquistadas no primeiro turno, deixando de fora candidatos mais votados de outros partidos.
Sob este aspecto, a sugestão da OAB incorre no mesmo problema de todos os modelos proporcionais: os mais votados não necessariamente são os eleitos.
Tende a aumentar drasticamente a abstenção no segundo turno. Definidas as vagas partidárias na primeira fase do pleito, os eleitores de partidos e candidatos que não serão votados no segundo turno perdem o estímulo de comparecer às urnas. Mesmo alguns dos eleitores de partidos que ultrapassaram o quociente eleitoral no primeiro turno não se sentirão incentivados a votar na etapa posterior: o jogo já foi jogado!
Não evita o problema de desproporcionalidade intracoligações. O princípio ideal da proporcionalidade é aquele segundo o qual o número de cadeiras conquistado pelos partidos deve ser o mais possível proporcional aos votos recebidos.No sistema brasileiro atual há uma nítida alteração da vontade do eleitor expressa nas urnas: a ocupação das vagas parlamentares pelos partidos no interior das coligações não é feita em consonância com a proporção dos votos por eles recebida. Isso acarreta várias distorções ao sistema, entre as quais, como se diz popularmente, a de se votar em “José” e se eleger “João”.Não evita o aparecimento do puxador de votos. Um dos parceiros da OAB nessa proposta de mudança de sistema de voto, o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), deu a seguinte justificativa no lançamento do projeto:
“De acordo com o MCCE, a mudança na forma de eleição dos parlamentares visa tornar a eleição mais representativa e evitar que um único candidato seja responsável pelas eleições de vários outros, como aconteceu nas eleições passadas quando o palhaço Tiririca, concorrendo pelo PR-SP, elegeu quatro parlamentares ao ter cerca de um milhão e trezentos mil votos”. Jornal do Brasil, 24/06/2013.
A entidade está equivocada: a mudança proposta não evita o transbordamento (spillover) de votos do puxador para candidatos do partido ou coligação. Independente da votação de candidatos de outros partidos, determinada sigla fica com as vagas ganhas no primeiro turno. No preenchimento dessas vagas pode aparecer um campeão de votos e arrastar consigo candidatos com votações ínfimas, tal e qual acontece hoje no modelo de lista aberta.
Os proponentes do projeto da OAB o apresentam como “proporcional misto”. Não existe isso. Os modelos eleitorais ou são majoritários ou proporcionais. Os mistos são uma junção das duas modalidades, o que não é o caso do projeto em tela.
A proposição da OAB é, na verdade, de uma espécie de modelo proporcional de lista fechada flexível (os eleitores podem modificar a posição dos nomes na lista), com a desnecessária complicação de dois turnos.
Ao denominá-la de proporcional mista a OAB quis evitar a crítica de estar apresentando uma sugestão de lista pré-ordenada, de grande rejeição, o que dificultaria sua adesão popular e, certamente, o trâmite no Congresso Nacional.
Enfim, não deixa de ser altamente louvável a iniciativa da OAB de lançar-se às ruas com seu projeto de “eleições limpas”. Contudo, no que diz respeito à sua propositura de sistema de voto, trata-se de mais uma tentativa, entre inúmeras, de substituir o atual modelo proporcional de lista aberta por qualquer outro, sob o falso pretexto de que o mecanismo vigente é responsável pelas mazelas do sistema político brasileiro.
E o que é pior: além de preservar, e até mesmo ampliar, os deméritos dos mecanismos sobre os quais se erige, o modelo da OAB não apresenta nenhuma grande vantagem que justifique implantá-lo em substituição ao sistema em uso no país há 68 anos.
Muito melhor faria a respeitada entidade esquecer esses delírios reformistas e jogar o peso de seu prestígio no aperfeiçoamento do modelo proporcional atual, apoiando mudanças importantes que já foram assim consideradas, sem prejuízo, naturalmente, de sugerir outras alterações que lhe imprimam adicionais melhorias qualitativas.

do Blog de Inaldo Sampaio

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